spoiler visualizarDantonM 27/08/2021
Coma este livro
Morangos mofados me foi recomendado em 2017, por minha amiga Bianca. É um dos livros preferidos dela e ela me encheu o saco por muito tempo para eu ler. Demorou só cinco anos, mas eu queria que tivesse sido antes. Morangos Mofados é uma experiência sensorial, uma montanha-russa, é como comer um morango bem maduro e doce e do nada sentir o gosto azedo de mofo.
Eu vou comentar conto por conto sim, porque sinto que devo essa ao Caio depois dele expor sentimentos tão íntimos para mim. Vamos lá
Diálogo: já começamos bem, uma história sem pé nem cabeça cujo sentido está em justamente não ter sentido (isso vai ser recorrente nesses contos). "Tem alguma coisa atrás, você não vê?"
Os sobreviventes: guardo um carinho muito grande por esse aaqui. Escrito inteiro em um parágrafo, uma enxurrada de palavras, pensamentos jogados. É como se estivéssemos acompanhando integralmente e em tempo real tudo o que a personagem está pensando.
O dia que Urano entrou em Escorpião: uma viagem! Só entendi o significado desse na frase final, quando a amiga mostra que estava ouvindo o que o cara estava tentando falar. São todos amigos, todos gostam dele, apesar de não demonstrarem 100% do tempo. É sobre insegurança.
Pela passagem de uma grande dor: Caio emoldurou e transformou em obra de arte um momento estupidamente banal: uma mulher ligando a um homem no meio da noite porque não consegue dormir. Segue um papo banal sobre qualquer coisa. Quem são essas pessoas? Por que ele não desliga se está incomodado? Por que ela liga para ele?
Além do ponto: meu preferido. Esse conto dói. Tenho até receio de ler de novo. Foi visceral.
Os Companheiros: gente esse aqui eu não entendi NADA. Se alguém tirou alguma mensagem, me fala porque pqp.
Terça-feira gorda: me deixou bem pra baixo. Ter um momento bom arruinado por gente babaca desperta algo que nem tenho como descrever. Raiva, vergonha, tristeza, meio que tudo junto. E a comparação com um figo? André Aciman sonha com essa metáfora.
Eu, tu ele: mais uma vomitada de pensamentos, não sei se tirei algum sentido daqui. Me deu uma angústia. O mundo é feito de pontas e arestas, as coisas não tem contornos mansos. E do interior do trem nunca é fixa a paisagem.
Luz e sombra: sabe quando você ta numa bad fudida que não passa por mais que você tente se alegrar? Esse conto é assim. Mas pior.
Transformações: esse conto pareceu uma dança. Sabe aquelas danças contemporâneas com uma música instrumental e coreografia caótica? Parece que são os sentimentos de uma pessoa saindo de um relacionamento e tentando se reconstruir para começar outro. Ele foi despedaçado e encara inclusive a falta como um caco de vidro que o corta, mas outra pessoa cuida dele. Ele nem sabe mais quem é.
Sargento Garcia: Acho que é auto-explicativo, não tem muita subjetividade aqui não...
Fotografias: duas mulheres, secretárias, têm suas fotografias tiradas por Caio. Mas a revelação não é em papel fotográfico. É em palavras. Uma fotografia grande e brilhante, colorida e cheia de detalhes. Outra pequena, uma 3x4 séria e sóbria, com tons frios e cabelo de trança.
Pêra, uva ou maçã: meu segundo preferido. Acompanhar os pensamentos do psicólogo/psiquiatra enquanto ele atende uma paciente foi impagável. As ameixas, a pêra, a uva e a maçã... Quem é são e quem é doente? Existe mesmo sanidade, ou se eu gastar todo meu dinheiro em ameixa e tropeçar num caixão na rua serei diagnosticado louco?
Natureza viva: puta merda esse aqui foi pesado. "Muito mais que com amor ou qualquer outra forma tortuosa de paixão, será surpreso que o olharás agora, porque ele nada sabe de seu poder sobre ti, e neste exato momento poderias escolher entre torná-lo ciente de que dependes dele para que te ilumines ou escureças assim, intensamente, ou quem sabe orgulhoso negar-lhe o conhecimento desse estranho poder, para que não te estraçalhe entre as unhas agora calmamente postas em sossego, cruzadas nas pontas dos dedos sobre os joelhos"
Pra mim esses pensamentos são de uma pessoa que está num relacionamento mas começa a se dar conta que gosta de verdade da outra pessoa. Que começa a precisar dela. Eu teria medo de admitir para alguém o quanto PRECISO dele. Já cheguei perto, mas ainda bem que não o fiz. Teria quebrado a cara.
Caixinha de música: essa aqui meus amores é a simbologia máxima de um homem saindo de um relacionamento tóxico. Não precisava enforcar a mulher, mas acho que foi para dar um drama.
O dia em que Júpiter encontrou Saturno: que [*****] foi essa, eles estão mortos????????
Aqueles dois: meu terceiro favorito. Passou um filme na minha cabeça de Raul e Saul e fiquei feliz que os colegas deles se fuderam no final (sort of)
Os Morangos Mofados: uma pessoa pode ter câncer na alma? É uma boa metáfora para explicar a bad trip (ressaca?) que esse personagem tem nesse conto. Também podemos chamar de reação ao mundo atual.
Caio indubitavelmente tem estilo, escreve da maneira como bem entende, ignorando letras maiúsculas, usando vírgulas como travessão, [*****]. Morangos Mofados mostra pra nós a sinopse de tudo que veríamos se pudéssemos entrar nos pensamentos de Caio. Gostei de como os contos conversam entre si apesar de serem bem diferentes e de como ele ganha minha atenção depois de me fazer dormir em cima do livro 10 vezes.
Não tenho a genialidade do autor para colocar em palavras a sensação de ler esse livro. É uma viagem muito maluca e vale a pena.