Paulo 31/10/2021
Gideon Falls é a aposta de Jeff Jeff Lemire num trabalho autoral de terror, mistério e suspense.
Depois de um primeiro volume que serviu para nos apresentar aos protagonistas e ao mistério do Celeiro Negro e a um segundo volume muito movimentado, que girou em torno do Celeiro Negro e do passado de Gideon Falls, unindo as histórias do padre Fred e de Norton Sinclair, chega-nos um terceiro bastante diferente que se apresenta completamente disruptivo. É um volume de episódios fragmentados que ganharão, lentamente, sentido.
Se no final do Vol. 2, Padre Fred e o jovem Norton Sinclair aka Danny trocaram de lugar no multiverso de Gideon Falls, não é desse ponto que começamos e leitura aqui no Vol. 3. Na verdade, somos transportados para o ano de 1886 e acompanhamos o Padre Burke perseguindo o primeiro assassino de Gideon Falls, que atende pelo nome de Norton Sinclair. Um assassino que pode viajar pelo tempo e pelo espaço. Alguém que, se lhe perguntarem de quem se trata, responde invariavelmente desta forma: “Sou a sombra ao centro”. Ao perseguir o rastro de sangue e morte deixado por “aquele que sorri”, o Padre Burke acaba embarcando em uma viagem psicodélica pelo multiverso, indo parar de uma Gideon Falls no meio do Velho Oeste, até uma versão steampunk da cidade. E dessa forma, a história é apresentada em fragmentos e a narrativa da HQ colabora para causar a sensação de desorientação percebida pelo protagonista. E nesse sentido, em muito ajuda a arte de Sorrentino: o artista expande e contrai requadros, cria paineis de página dupla e usa elementos do cenário como forma de contar histórias, Espirais de ADN, imagens que se estilhaçam em minúsculas partículas, círculos convergentes para uma única resposta. Tudo isso nos deixa com a impressão de ver muito, ainda que entendamos menos do que esperamos. De fato, às vezes é difícil de dizer o que estamos vendo nas páginas duplas intrincadas e com um quê de surrealismo, mas isso casa perfeitamente com a proposta cósmica da narrativa que vemos se descortinando diante de nós. Mas que fique claro: apesar de toda essa fragmentação e surrealismo, a narrativa de Lemire é muito clara. Você entende o essencial, e consegue acompanhar e o que o roteiro quer te passar, ainda que tenha muito mais para ver do que num primeiro momento você será capaz de entender.
Assim como nos volumes anteriores, o clima de mistério e terror psicológico é muito bem construído, assim como a ambientação. Mas o suspense de Gideon Falls nem é tão aterrorizante assim, mais nos remetendo a algum episódio do clássico Além da Imaginação, ao invés de recorrer ao sangue e ao terror. Lemire prefere uma viagem interior, transformando a história em uma grande experiência psicológica.
E lembram que ao comentar a edição de lançamento, citei algumas resenhas em que as pessoas reclamavam do excesso de clichês das histórias de terror? Então, esta diminui ainda mais a força dessas críticas. Lemire transformou o que a princípio seria um conto de horror sobrenatural em uma história que flerta cada vez mais com a ficção cientifica e o horror cósmico. Lemire continua expandindo a mitologia de Gideon Falls e do Celeiro Negro, e enquanto revelam-se alguns mistérios, nos deixa com o dobro de perguntas e nos introduz mistérios ainda mais complexos.
Pentoculus. Um multiverso centrado em Gideon Falls. A verdadeira natureza do Celeiro Negro e de Norton Sinclair. Há tanta coisa acontecendo que às vezes é difícil entender tudo o que está acontecendo. Porém, o autor se antecipa a nossa ansiedade, e fala conosco através de um de seus personagens, nos dizendo que em algum momento tudo fará sentido: “Sei que não está entendendo muita coisa. Eu também já fui assim. Mas vai entender.”
Enfim, Gideon Falls continua como uma das séries mais interessantes do quadrinho mainstream norte-americano. O terceiro volume da série consegue inovar ainda mais através de uma narrativa disruptiva, e a introdução de novos personagens e acontecimentos ata algumas pontas soltas deixadas pelos primeiros livros. Porém, ainda são mais perguntas do que respostas, o que continua nos mantendo preso a história. No fim, Jeff Lemire consegue manter a atmosfera sombria com mistério, e com a adição de elementos de ficção científica e horror cósmico torna-se impossível prever para onde a história vai.