Babel-17 & Estrela Imperial

Babel-17 & Estrela Imperial Samuel R. Delany
Samuel R. Delany
Samuel R. Delany




Resenhas - Babel-17 e estrela imperial


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Ralibô 31/08/2021

Dois em um
Gostei mais de Estrela Imperial, me identifiquei muito mais. Babel-17 meio que larguei e depois voltei a leitura, muito louco, apesar de ambos serem. Acredito que a loucura da estrela faça mais sentido para mim. Nunca havia lido nada parecido, isso tenho que admitir.
A descrição de Cometa-Jo é tão perfeita que contiene imaginar ele em detalhes.
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Flavio.Vinicius 09/06/2021

Livro chato
O enredo e os personagens são intragáveis, apenas o mundo tem algum interesse, mas é mal explorado e mal aproveitado pelo autor. O livro tem várias partes sem sentido, os personagens entram e saem da história e não consegui me importar com nenhum deles: são superficiais e desinteressantes. Acho que a literatura de Samuel Delany não me cai bem. Terminei Babel-17 sem empolgação nenhuma de ler o outro livro, Estrela Imperial. Aliás, não quero ler nada mais do autor. É uma pena, eu tinha altas expectativas sobre Samuel Delany: autor negro e homossexual, eu queria ter me agradado da literatura dele. Enfim, acho que é um adeus a Delany, e não um até logo.
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Roberto 30/09/2020

Facilmente, minha leitura favorita do ano
Até o momento, a minha leitura favorita do ano foi essa dobradinha escrita por Samuel R. Delany. A @editoramorrobranco lançou as duas histórias, ?Babel 17? e ?Estrela Imperial? unidas em um único volume, como o próprio autor sempre desejou. As narrativas podem ser conectadas por temas e elementos de um mesmo universo, mas o enredo e a execução são completamente diferentes.???
???
Em Estrela Imperial, temos uma jornada de descoberta para um jovem chamado Cometa Jo, que recebe a tarefa de entregar uma mensagem para a longínqua estrela imperial, mesmo sem saber o conteúdo. O autor escolhe o ponto de vista de uma inteligência artificial para descrever os eventos da jornada de Jo, o que foi uma decisão apropriada considerando como os personagens se comunicam através de uma linguagem ?alienígena?. ???
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Além de uma envolvente aventura, Estrela Imperial é um comentário sobre a escravidão e os beneficios colhidos pelos colonizadores, uma mensagem evidentemente importante para Delany, um autor negro, sem contar que o lançamento original do livro aconteceu no auge dos protestos civís e raciais dos Estados Unidos.???
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Em Babel-17 seguimos a poeta Rydra Wong, convocada para ajudar a descobrir o significado de uma língua, que talvez possa ser utilizada como uma arma. Para descobrir o que está acontecendo, Rydra reune uma equipe e segue em sua missão, mesmo sabendo de uma possível sabotagem. ???
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Novamente Delany explora a comunicação em sua narrativa, agora chegando a colocar uma protagonista inteligente que solucionando os problemas através da linguagem. Mas ao contrário de Estrela Imperial, onde coadjuvantes são utilizados quase exclusivamente como artifício para avançar a trama, em Babel-17 há um foco maior nos arcos dramáticos dos personagens, cada um com motivação e desenvolvimento.???
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O texto de Delany é poético, então é inevitável que o autor se aproveite de figuras de linguagem e diversas sequências mais descritivas, onde consegue construir uma atmosfera única para sua obra. Esse é um livro cheio de identidade e um enredo consistentemente envolvente. Por mais obras de Samuel Delany, por favor!??
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Paulo 19/12/2019

Resenha de Babel - 17:

Comunicação é uma palavra que envolve ser capaz de interagir com pessoas. Isso pode ser feito através da fala, de gestos, de expressões. A comunicação só é concluída quando os dois lados conseguem se entender mutuamente. Esse é um dos temas de Babel-17, um clássico da ficção científica que finalmente chega ao Brasil pelas mãos da Editora Morro Branco. Ficamos muito tempo órfãos de Samuel R. Delany, um dos grandes mestres da ficção científica e alguém que consegue falar de temas contemporâneos, mesmo o livro tendo sido escrito há algumas décadas atrás. Aviso logo que Babel-17 é uma leitura difícil, uma ficção científica dura onde as informações não estão sempre claras para o leitor. Exige pensar fora da narrativa e relacionar com outros assuntos; exige reflexão e ligar os pontos por nós mesmos. Por essa razão, não é um livro para qualquer leitor. Contudo, se você for capaz de ultrapassar essa barreira inicial, vai perceber toda a genialidade do autor. Muito antes de A Chegada, filme baseado no conto de Ted Chiang, onde um grupo de cientistas tenta decifrar uma linguagem alienígena estranha, Rydra Wong procurava entender o que era Babel-17.

A narrativa do livro é em terceira pessoa, visto do ponto de vista de Rydra. Acompanhamos sua jornada onde ela vai empregar uma tripulação bem diferente de seres. Ficamos sabendo que os terráqueos estão em guerra com os Invasores, alienígenas que parecem estar atacando a Terra e outros planetas. A Terra faria parte de uma Aliança de planetas. Bem, nesse ponto eu senti que as coisas não ficaram muito claras. Delany não explica bem o que acontece no contexto geral, deixando para o leitor juntar as peças do quebra-cabeças. Só que informações essenciais não são ditas, o que pode confundir bastante. A protagonista é uma especialista em diferentes idiomas e códigos, além de ser uma poetisa. Ela é chamada para entender uma mensagem que está sendo captada pelos sensores da Terra em uma linguagem que recebe o nome de Babel-17. Ao mesmo tempo estranhos incidentes e sabotagens acontecem em vários pontos da Aliança, precedidos de uma mensagem em Babel-17. Uma missão secundária de Rydra é investigar a relação entre esses dois pontos.

Delany tem uma forma de escrita muito precisa aqui. É até curioso examinar a diferença entre o que ele escreve aqui e Estrela Imperial onde a prosa é mais poética. Em alguns momentos, o autor assume até um tom professoral, explicando as nuances do estudo de línguas e códigos. Assumimos sempre que a comunicação precisa acontecer através da fala; isso é o senso comum. Mas, a verdade é que esta pode acontecer mesmo quando as pessoas não falam o mesmo idiomas, bastando que a mensagem enunciada seja compreendida pelo outro. Abaixo eu retomo melhor essa ideia. A narrativa segue uma linha bem simples de início, meio e fim. No começo somos apresentados ao contexto e ao problema a ser resolvido. O desenvolvimento coloca um obstáculo para Rydra até o momento em que ela conhece Jebel Tariq e o Carniceiro. E o fim é o fechamento mesmo da narrativa, deixando poucos ganchos. Nesse sentido a história é bem fechadinha, com apenas algumas coisas podendo ser exploradas (mais no relativo ao mundo onde a história se passa). Tem um momento climático quase no final que é incrível e vai agradar aos fãs de scifi.

Diferentes aspectos da comunicação são exploradas aqui: a diferença de idiomas, a capacidade para interagir com o diferente e a ausência de si. Vou começar pelo óbvio que é o tema central da história: Babel-17. Sempre acreditamos que idiomas falados precisam ter alguma relação com qualquer um dos que são falados no mundo. E temos centenas de idiomas espalhados por todo mundo, desde idiomas fonéticos até movimentos com a boca como os empregados por uma tribo que vive na Namíbia e usa estalos para se comunicar. Mas, isso não significa o mesmo para alienígenas. Eles podem empregar métodos incompreensíveis para nós, seres humanos. Infelizmente, terei que usar essa comparação, mas no conto que originou A Chegada, Chiang faz com que a protagonista, ao compreender o idioma dos alienígenas, consiga enxergar o futuro (de certa forma). Aqui, a noção é semelhante. À medida em que Rydra vai compreendendo Babel-17, ela vai se dando conta de que o universo é mais complexo do que ela imaginava. O simples entendimento dessa linguagem amplia a mente dela para a compreensão do todo.

Ao mesmo tempo temos a própria Rydra que lida com suas inseguranças e sua dificuldade de falar com outras pessoas. Vemos quando ela interage com Mocky o quanto ela luta para reforçar uma ideia de controle e comando. Mesmo ela não estando certa de suas intenções, ela vai crescendo ao longo da narrativa e lidando com uma tripulação que ela mesma escolheu. O que começa como um grupo de pessoas estranhas umas para as outras vai criando laços e passando a confiar na habilidade de Rydra. No final, a eficiência da equipe é ímpar, mesmo eles estando em outra nave que não a Rimbaud, sua espaçonave inicial.

Tenho também que destacar a ideia dos três navegadores. A necessidade de serem três e não apenas um. Nem vou comentar muito a respeito porque o motivo para isto é tão legal que eu prefiro deixar para vocês lerem na narrativa. Mas, fato é que os três precisam ter um contato muito próximo e normalmente isso acaba redundando em uma relação de teor sexual. Na narrativa, Rydra encontra dois dos três (um deles havia morrido há algum tempo atrás e Rydra precisa buscar um substituto para a função de número 1). Dos três temos um número 2 mais experiente e um número 3 inseguro. E eles querem que o número 1 seja uma mulher e que seja capaz de se relacionar com os 2. Mas, como encontrar alguém que consiga lidar com personalidades tão diferentes? Rydra acaba inovando e obrigando os dois a se esforçar para conhecer melhor Mollya. Ela vai oferecer o que eles querem, mas com uma espécie de bola curva para eles. Achei a opção sensacional e realmente os obrigou a conhecer melhor a pessoa que entrou para o grupo.

Mas, claro, um dos pontos altos de Babel-17 é o Carniceiro e a relação que ele estabelece com Rydra. Aqui, a habilidade de Delany brilha. Vou dar leves, mas muito leves spoilers aqui. O Carniceiro é um personagem que não consegue usar os pronomes eu e você. Sim, podem ler com atenção. Ele não usa mesmo. Toda vez que ele vai se referir a si mesmo, o personagem apenas bate no peito. Acaba se referindo a outras pessoas na terceira pessoa. Percebendo a situação dele, Rydra tenta ensiná-lo a diferença entre eu e você e o personagem tem uma enorme dificuldade para isso. Frequentemente ele vai se confundir a quem está se referindo. O curioso é que isso acaba criando algumas situações estranhas em que o leitor precisa desconfiar daquilo que está sendo dito. Não porque o narrador não é confiável, mas porque este não sabe dizer com precisão aquilo que está dizendo. Isso nos obriga a confiar mais na cena e no contexto do que nos diálogos. Quando eu li a primeira vez achei o trecho truncado, mas quando deu o estalo e eu voltei as páginas para reler as passagens, parece que o mar se abriu.

A forma como o Carniceiro cresce na narrativa com o passar do tempo é incrível. E eu achei que ele seria só as mãos de Tariq, aquele cara que faz o serviço sujo. Mas, as camadas dele vão se revelando pouco a pouco e ele vai ganhando uma riqueza de detalhes. O que se torna uma relação de ensinamento para Rydra vai se transformando em sua missão à medida em que detalhes sobre Babel-17 vão se cruzando com o subplot do Carniceiro. Sua relação com ele vai se tornando um crescimento e amadurecimento para Rydra.

Babel-17 é genial. Como obra de ficção científica, toca em pontos sensíveis como a dificuldade dos seres humanos em se comunicar uns com os outros, a facilidade que temos de julgar outras pessoas e o fato de ainda sermos muito jovens na medida de tempo universal. Não é uma leitura simples, mas é recompensadora no sentido de que vai nos fazer refletir sobre determinados assuntos e abrir nossas mentes para outras possibilidades. Só tenho a aplaudir a Morro Branco pela coragem em trazer Babel-17 para o Brasil, um hard scifi de extrema qualidade e por apresentar a muitos leitores a riqueza da escrita de Samuel R. Delany, um monstro do gênero. Agora, é esperar para que a editora traga outros dois clássicos do autor: Nova e Dhalgren.

Resenha de Estrela Imperial:

Deixa eu respirar antes de fazer esta resenha. Porque ela é difícil de se colocar em palavras. Estrela Imperial é um belo exemplo de como compor uma história que se autorreferencia. Escrever histórias cíclicas não é algo fácil. Desde a era dos grandes livros sagrados, muitos autores tentaram compor este tipo de narrativa. Mas, sempre ficam furos ou problemas de coerência narrativa. Isso faz com que a história tenha contradições ou situações internas fazendo o leitor entender a existência de algo não batendo. Delany consegue criar uma narrativa estruturalmente perfeita. A gente pode reclamar que a narrativa não é tão boa ou os personagens não são tão interessantes, mas a escrita é PER-FEI-TA.

Antes de mais nada, vamos tirar o elefante da sala. A narrativa é em primeira pessoa. E não é contada por Cometa Jo, mas por Joia, uma espécie de dispositivo inteligente que fica no bolso de Jo. Mas, como tudo nessa narrativa, nada é tão simples quanto parece. Isso porque Delany usa uma série de metáforas e prosopopeias ao longo da história. Coisas podem ter vida, objetos podem ser narradores. Assim como Babel-17, é uma leitura que vai exigir maturidade do leitor. Mas, no caso de Estrela Imperial o problema é mais grave porque estamos diante de uma escrita mais poética. Existe um cuidado do autor com o que ele está apresentando nas páginas. Cada parágrafo tem mais de uma interpretação possível. Os temas não estão claramente delineados. O tempo funciona até de forma diferente nessa narrativa. Lendo um artigo de Jo Walton sobre o tema (matéria em inglês, link aqui) ela chama essa dobra no espaço de tempo helicoidal. Basta eu dizer que assim que você terminar de ler, você vai querer reler para entender melhor determinados acontecimentos de um ponto de vista de eles já terem acontecido.

O narrador é totalmente não confiável. Isso porque Joia não vai te dar todas as informações naquele instante. E muita coisa vai ficar realmente incompreensível simplesmente porque o leitor não dispõe de todas as informações. E, tudo bem! Confie em Delany. Ele vai te dar as respostas assim que elas forem necessárias. Assim como Joia vai fornecer as informações para Jo quando achar que precisa. Esse tempo helicoidal provoca uma espécie de leitura de trás para frente. Por esse motivo, a primeira leitura vai parecer truncada e estranha. Esse é um livro que te obriga a relê-lo para esclarecer os pontos. E Delany faz isso de uma forma sensacional.

Cometa Jo vai passar por uma jornada de amadurecimento por toda a narrativa. Vamos ver que o personagem tem dificuldades para aceitar a si mesmo e qual é o seu papel no universo. Quando ele recebe a missão de levar uma mensagem até Estrela Imperial, ele sente que se tornou uma pessoa especial. Mas, com o passar do tempo, os acontecimentos vão colocando o personagem em perspectiva e fazendo com que ele ponha os pés no chão. Ou seja, esta não é uma jornada do herói, não temos um escolhido pelo destino. Delany quebra esse clichê ao nos colocar diante de um personagem que é comum. Sua mensagem vai ser importante a partir das lições que ele vai aprendendo. São as pessoas com quem ele interage é que vão lhe fornecendo pistas daquilo que ele deve realizar. Jo vai deixar uma marca indelével na vida dessas pessoas, não porque ele é sensacional, mas porque ele aprende algo com cada um. Se pararmos para refletir é quase como nossas vidas. Nenhum de nós é um escolhido; somos pessoas que vivem existências comuns. Mas, quando nos empenhamos em uma tarefa podemos deixar marcas na vida dos outros.

Temos que falar sobre os LLL. São alienígenas responsáveis por terraformar planetas. Representam um recurso imprescindível para os seres que habitam a galáxia. Mas, para isso, se torna necessário escravizar os LLL. É curioso pensar que em nenhum momento Delany usa de violência ou tortura para representar a situação destes seres. Apenas que eles se tornam objetos e que os donos ficam tristes ao empregá-los. O autor está demonstrando que a escravidão vai além do fato de alguém ser violado e violentado. Afinal, escravidão é a perda da capacidade de ir e vir. E é isso o que estes seres deixam de ter: liberdade. Jo vai se ver envolvido na tarefa de libertá-los. Se ele vai conseguir ou não, aí já se trata de um outro assunto.

Senti que faltou um momento climático na narrativa. Não temos um grande acontecimento marcando o final, apenas as revelações sendo feitas. De um ponto de vista prático é como se a narrativa seguisse um ritmo suave e constante por todo o livro, o que é algo ruim. Normalmente, histórias costumam ter picos estruturais, com momentos de ápice e outros de declínio. Aqui não temos isso. A estrutura segue uma série de idas e vindas em que Jo chega até os lugares, conhece pessoas, descobre algumas coisas e depois segue em frente. Os personagens também não são cativantes. Eles são um meio para nos entregar a mensagem, como é a missão de Jo.

Estrela Distante é uma narrativa mais madura de Samuel R. Delany. Ele dá uma aula de escrita para autores que buscam entender determinadas ferramentas mais avançadas. Temos um personagem desejando descobrir a si mesmo e o quanto ele pode fazer para mudar o mundo. Ele vai se ver envolvido em uma trama para libertar uma raça alienígena com a capacidade de terraformar planetas. Mas, no final da jornada, ele vai descobrir o quanto de si mesmo restou e o quanto ele evoluiu como pessoa.

site: www.ficcoeshumanas.com.br
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Gramatura Alta 10/12/2019

http://gramaturaalta.com.br/2019/12/10/resenha-babel-17-e-estrela-imperial-samuel-delany/
Samuel Ray Delany é afro-americano e nasceu em 1942, no Harlem. Sua mãe era uma bibliotecária e seu pai administrava uma funerária. Ele tinha duas tias, que foram pioneiras na luta pelos direitos civis norte-americanos e que serviram de base para uma das novelas semi-autobiográficas. E seu avô foi o primeiro bispo negro da Igreja Episcopal. Na adolescência, Delany descobriu sua homossexualidade, mas, mesmo assim, se casou com Marilyn Hacker, uma professora, poeta, tradutora e crítica literária que tinha conhecimento da orientação de Delany. Como Marilyn era Editora Assistente da Ace Books, foi ela quem ajudou a abrir as portas para Delany.


Depois de dez publicações, entre novelas e contos, foi o lançamento do livro DHALGREN, em 1975, que catapultou Delany para o rol dos grandes escritores de ficção-científica, com mais de um milhão de exemplares vendidos, mas ainda sem publicação no Brasil. Várias de suas obras ganharam prêmios, como BABEL-17, que em 1966 ganhou o Nebula de Melhor Romance e também foi indicado ao Hugo de 1967. Hoje, Delany vive com seu companheiro, Dennis Rickett, um ex-vendedor de livros.

Todo o teor racial, social e sexual que compõem a vida de Delany estão presentes na maioria de suas obras, inclusive em BABEL-17, onde ele inclui seus estudos e sua fascinação pelo poder da linguagem, abordando intensamente a Hipótese de Sapir-Whorf, hoje mais conhecida como Relativismo linguístico, isto é, a teoria científica e filosófica de que a linguagem influencia o pensamento e a percepção da realidade dos indivíduos à cultura em que estão inseridos. Ficou confuso? Calma, vou explicar.

A Hipótese de Sapir-Whorf foi proposta em 1930 e defende que as pessoas vivem segundo suas culturas em universos mentais distintos, que são determinados pela linguagem que utilizam para se comunicarem. Ou seja, culturas diferentes, podem ter percepções diferentes da realidade. Por exemplo, na nossa língua, português, para as palavras habilidade e capacidade, há no inglês: skills, capability, ability e capacity, todas as quatro com nuances e significados distintos sem correspondência direta no português. Um outro exemplo, uma linguagem dos indígenas americanos, chamada Zuni, não distingue as cores amarelo e laranja. Esses indígenas teriam dificuldade em distinguir objetos dessas cores. Entretanto, isso não quer dizer que eles não conseguiriam percebê-las, apenas não teriam a mesma velocidade na capacidade de distinção em relação a quem fala português.

O autor utiliza alguns exemplos na história, como o húngaro, que não possui pronomes de gênero e gênero gramatical em geral, ou seja, não é capaz de atribuir um gênero a qualquer coisa: ele, ela, é tudo a mesma palavra. Um outro exemplo seria o polonês, que não possui tradução para rir, risada, risadinha, gargalhada. Segundo a relatividade, as variantes de rir não existem na mentalidade polonesa. Então se não existe uma palavra para algo, como uma pessoa consegue imaginar esse algo? Entretanto, Delany faz um uso exagerado da teoria, extrapolando a capacidade de síntese em algumas partes, como quando compara a construção de uma máquina, cujas instruções em inglês ocupariam vários livros, e numa determinada linguagem alienígena, apenas algumas palavras. Esse exagero acaba por comprometer a real dimensão da teoria.

Quanto à história, Rydra Wong é uma poeta famosa, mas também uma linguista e criptografa com capacidades sobre humanas para aprender idiomas, adquiridas após um acidente na infância. Ela pertencia às Forças Armadas, sob a patente de capitã, mas pediu afastamento para se dedicar exclusivamente à escrita. Isso até receber a visita do general Forester, que a convence a ajudá-lo em um problema envolvendo a transmissão, vinda de um local distante e desconhecido no espaço, de um código criptografado, chamado de Babel-17, aparentemente responsável por diversos ataques internos cometidos por espiões ou traidores. Rydra informa que não é um código, mas uma linguagem, que pode mudar a percepção de quem a compreende e transformar essa pessoa em uma traidora.

Para a missão, Rydra precisa de uma tripulação para sua nave espacial e conta com a ajuda de um funcionário da alfândega, Daniel Appleby, para formalizar as contratações, que serão de dois antigos soldados e pilotos, Brass, Calli e Ron. Eles formam uma relação poliamorosa, onde trocam experiências sexuais, e têm seus corpos modificados geneticamente, com implantes e alterações físicas para aumentar a força, a resistência, etc.. Existem outros personagens estranhos, como pessoas que vivem dentro de computadores, em simulações, que são usadas para as viagens distantes pelo espaço, mulheres com asas e garras, homens leões, ou seja, uma enorme diversidade étnica, racial e linguística.

O Relativismo linguístico não é aplicado apenas na definição do que é Babel-17, mas também nos personagens alienígenas da obra, bem como a polaridade sexual. Sendo uma novela, tudo se desenvolve de forma bem rápida e simples, sem descrições ou eventos extensos. É notável o ar de divindade que Dalany dá a Rydra, sempre vista como alguém que possui uma espécie de aura de luz e beleza. E nesse futuro, o pudor é algo deixado de lado, inclusive em alguns locais públicos, onde só é permitida a entrada de pessoas parcialmente despidas.

BABEL-17 é uma ficção-científica raiz, daquelas onde o fantástico é considerado normal, onde o autor brinca com a linguagem para construir um inimigo, onde não existem limites para a imaginação na construção dos personagens ou das máquinas, uma característica mais presente na literatura do século passado e que se foi perdendo com o passar dos anos,

Além de BABEL-17, esta edição traz um conto na parte final, que foi criado para ser adicionado como extra em outros livros do autor, chamado ESTRELA IMPERIAL e que também foi escrito em 1966. Assim, o livro vem com duas capas, uma na parte da frente e a outra na parte de trás, invertida. O mesmo acontece com o miolo. Ao fim da primeira história, você precisa virar o livro ao contrário e começar a leitura para última capa. Criativo e diferente.

Na história, um jovem de 18 anos, chamado de Cometa Jo, vive nas cavernas do satélite Rhys, em órbita de um planeta do sistema do gigantesco sol vermelho Tau Ceti. Isso até ele encontrar dois sobreviventes nos destroços de uma nave espacial que caiu. Um deles está morrendo e entrega a Jo uma joia e uma missão: levar uma mensagem para a Estrela Imperial. O outro sobrevivente se chama Jewel, um alienígena de forma cristalizada que consegue visualizar eventos de diferentes pontos de vista, e por isso ele é o narrador da história.

Jo não sabe qual é a mensagem, não sabe onde fica a Estrela Imperial e nem sequer sabe como chegar até lá. Mesmo assim, ele está decidido a cumprir a missão. Na sua jornada, Jo conhece as criaturas LLL, que podem terraformar planetas em toda a sua complexidade, inclusive ecossistemas, sociedade e sistemas éticos. Por causa disso, eles são escravizados pelo Império, que criou uma forma de os proteger: quem os possuir, sofre de uma tristeza imensa, que aumenta de intensidade a cada LLL possuído.

Com o passar dos meses e da viagem, Jo amadurece, aprende e compreende coisas novas, não apenas sobre as sociedades, mas sobre liberdade, sobre escravidão, sobre a linearidade da história, sobre a estrutura do tempo, e é nesse aprendizado que reside a mensagem que ele precisa entregar.

Em ESTRELA IMPERIAL não existe apenas um reflexo dos pensamentos do autor sobre sua raça. Os LLL não são escravizados pela força, não há o uso de violência, e realmente para se escravizar alguém, muitas vezes basta uma forma de corrente emocional, psicológica ou mesmo a retenção de recursos essenciais. É um conto pequeno, de leitura rápida, com uma narrativa que começa sequencial e que aumenta sua complexidade ao se aproximar do clímax.

BABEL-17 e ESTRELA IMPERIAL não compartilham uma história, mas se completam pelo formato da narrativa, pelo complexo uso das palavras, pelas ideias criativas de universos fantásticos e extremamente ricos na diversidade de seus habitantes. Não existe melhor ficção-científica do que a que utiliza desses componentes para a construção de um livro.

site: http://gramaturaalta.com.br/2019/12/10/resenha-babel-17-e-estrela-imperial-samuel-delany/
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