Pedro 03/06/2024Seria a língua a definição da humanidade?O conto é um gênero que nunca deixa de me impressionar com o quão subestimado ele é. Para, em poucas páginas e partindo de um único conflito, conseguir insinuar todo um universo e levar o leitor a refletir sobre ele, é necessário muito talento e habilidade na escrita literária. Felizmente, Octavia E. Butler, na minha primeira leitura de um texto seu, alcança perfeitamente esse feito.
O mundo de Sons da Fala é um mundo bestializado. Devido a uma misteriosa pandemia, a população perdeu a capacidade de se comunicar por meio de línguas em graus distintos. Contando apenas com gestos vagos e não sistemáticos, as pessoas precisaram aprender a viver sem escrita, sinais ou a fala. Acompanhando a doença, veio uma tendência ao descontrole emocional, a uma agressividade que pode ter consequências fatais.
Curioso observar que, sem as sutilezas de uma língua, todo ato de comunicação precisa ser preciso, sucinto, objetivo. Com poucas convenções gestuais resistindo à doença, a incompreensão é um risco perigoso. Combinado à tendência agressiva do comportamento, isso parece fortalecer a ideia de animalização. Não há espaço para "mas", "porém", "talvez". Tudo precisa ser resumido em sim ou não, seja uma decisão de parceiro sexual ou de qual caminho seguir.
Disponibilizado livremente em uma necessária iniciativa da Morro Branco, preciso nem reafirmar a qualidade desse conto. Para ler e refletir.