Um medievo popular e rústico, com suas lendas e tradições guerreiras, parece ressurgir, a séculos de distância e quase por um paradoxo da história, no coração do novo mundo, cuja descoberta deveria precisamente assinalar o marco de finalização da era medieval. Confiados à viola do cantador e a milhares de folhetos de cordel, que remetem ao alvorecer da imprensa na Europa, Carlos Magno e Roberto do Diabo, Genoveva de Brabante e Marcolfo assumem conotações impensáveis no encontro de uma vasta rede de raças, línguas e tradições culturais diversas, que é o Brasil da idade moderna. Sobre o fundo dos grandes mitos da floresta, de derivação indígena, e dos rituais mágicos, de origem negro-africana, os antigos modelos do paladino destemido, do príncipe maldito, da esposa fiel, do camponês astuto sobrevivem como expressão dos múltiplos ‘diversos’ que não se resignaram a ser eliminados definitivamente da história e, por meio da recuperação do passado, exprimem também a sua aspiração a um presente melhor. Nesse sentido, o menestrel-cantador do Nordeste brasileiro, resultado da criação de uma imensa área de transmissão oral e épica, torna-se o símbolo do homem constrangido a sair de ‘seu’ tempo e de ‘sua’ história para exprimir-se e fazer reviver nessa operação a história complexa de uma condição humana difícil.
Não-ficção