Os contos desta edição passam bem longe do estilo realista já consagrado na produção literária do escritor Jack London. Aqui, o autor desenvolve temas diversificados e bem diferentes de suas narrativas longas, sendo, talvez, surpreendentes para aqueles que pensam conhecê-lo. São textos contendo um cunho sobrenatural, espiritualista ou de ficção científica, explorando conhecimentos desafiadores, indo além da razão humana. Neste sentido, no entanto, são coerentes com sua curiosidade insaciável pelo mundo, pela vida, por experiências e vivências, próximo de sua necessidade de descobrir novos caminhos, experimentando, também, novos gêneros em sua escrita, ampliando os horizontes literários. Esta presente seleção é coesa e eficaz, tendo em comum situações-limite para todos os personagens, que enfrentam o desconhecido num misto de fascinação e medo, sendo desafiados por ele, mudando para sempre o curso de suas vidas.
O escritor-aventureiro Jack London (1876-1916) sempre foi apaixonado pela vida selvagem
e misteriosa, paixão que soube expressar nos clássicos Caninos brancos e O lobo do mar.
Na virada do século 19 para o 20, London encontrou nas revistas populares de ficção, em
ascensão no mercado norte-americano, a plataforma ideal para lançar suas aventuras
cativantes. Às vezes estranhas. Muito estranhas.
Esta coletânea foi pensada pela tradutora Lívia Koeppl para assustar o leitor. Lívia
selecionou cinco histórias publicadas em revistas, ainda inéditas no Brasil. Histórias
inquietantes, todas elas.
Comentarei cada uma, caro leitor, apenas pra atiçar sua curiosidade.
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Na primeira narrativa, Mil mortes, um frio e obsessivo pesquisador executa e traz à vida
inúmeras vezes um jovem marinheiro − seu próprio filho −, com o objetivo de aperfeiçoar
uma técnica secreta de ressurreição.
Em A sombra e o raio, dois antagonistas semelhantes em tudo, até na teimosia e na
ambição, para desespero de um amigo comum competem violentamente em busca da
fórmula da invisibilidade.
Em Planchette, temos uma complicada e comovente história de amor, melhor dizendo, um
forte nó afetivo aparentemente sem solução, lançando sobre um casal a mão vingativa do
sobrenatural.
Por fim, em O Vermelho − conto fabuloso, um de meus prediletos −, um cientista perdido
numa remota ilha do Pacífico é capturado por canibais simiescos que idolatram um
demônio sangrento, dono de uma voz maravilhosa.
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Jack London foi um dos escritores mais bem-sucedidos de seu tempo, certamente porque
dominava as ferramentas da narrativa clássica, bem tramada.
Seu talento presenteou o mundo com inesquecíveis histórias sobre o perene conflito entre a
natureza selvagem e a civilização. Mas não parou aí… Bastante versátil, o autor flagrou
esse conflito também no espantoso campo do sobrenatural e da ficção científica.
LUIZ BRAS
Escritor e coordenador de oficinas de criação literária
Contos / Ficção científica / Literatura Estrangeira / Terror