Nikolai Gogol

Nikolai Gogol Vladimir Nabokov


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Nikolai Gogol


Uma Biografia




A maioria das biografias começam pelo princípio. Vladimir Nabokov, na sua abordagem à vida e obra de Nikolai Gogol, começa pelo fim. Isto é, pela crua descrição dos últimos momentos do escritor, que morreu aos 42 anos, meio enlouquecido e massacrado pelos médicos que lhe aplicaram horrendas sanguessugas no nariz (o herói de várias das suas histórias). Se o mundo de Gogol estava sempre às avessas, faz sentido que Nabokov, ele próprio um heterodoxo, vire tudo de pernas para o ar neste livro fragmentário e sem fio condutor.

Mais do que um retrato de Gogol, este é um espelho partido em mil pedaços, um feixe de “notas” em busca do sentido profundo da escrita, uma aproximação feita de sagacidade e respeito, um exemplo de inteligência literária. Embora siga vagamente o percurso biográfico de Gogol, saltando por cima de uma infância sem interesse e concentrando-se na forma como o escritor lidou quer com a mãe quer com os seus demônios (expressos na tardia deriva religiosa e no pavor de não concluir a obra-prima que todos esperavam dele), o foco de Nabokov incide quase exclusivamente nas principais obras que o escritor deixou: a peça O Inspector-Geral, o primeiro volume das Almas Mortas e O Capote.

“Antes de Gogol e Puchkin, a literatura russa era cega”, afirma-se. Em oito décimos deste livro magnífico, o que o autor de Lolita faz é uma exegese brilhante do modo como Gogol conseguiu abrir os olhos (ou, se quisermos, os horizontes) de uma língua que parecia conservada no formol do classicismo. Mais do que nas intrigas, o verdadeiro interesse dos seus livros está nas “curvas da sintaxe” e na forma como vai criando “personagens periféricos” em “passagens que rebentam literalmente de gente miúda que irrompe aos trambolhões e se espalha por toda a página (ou que cavalga a pena de Gogol como uma bruxa a vassoura)”.

O que Nabokov nos dá a ver, através de uma meticulosa leitura, é o gênio em ação, a abrir caminhos novos e a inverter a lógica racional que nos limita e escraviza. Mudanças de foco, saltos para a frente, deslizamentos, toda esta vertigem pode ser resumida numa frase: “Imagine-se um alçapão que se abre sob os nossos pés com um repente absurdo, e uma rabanada lírica de vento que nos ergue no ar e nos deixa cair com um baque no alçapão seguinte.”

É assim a escrita de Gogol: um “fenômeno de linguagem e não de ideias”. Razão para Nabokov se insurgir contra todas as apropriações, seja de quem o dizia “realista”, seja de quem reduziu a complexidade desta ficção ao mero veículo de uma denúncia de caráter social. Diante do “mais estranho poeta prosador que jamais produziu a Rússia”, é inútil tentar resolver enigmas. Mas vale a pena aprender a dizer “Gó-gol” em vez de “Go-gól”. Porque “não se pode esperar compreender um autor se nem sequer se for capaz de pronunciar o seu nome”.

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Cioran E.
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