"Você não vai se dar conta do gosto de areia em sua boca. Nem vai perceber a quantidade de blues obscuros que vai se pegar cantando baixinho. Só quando sentir aquela necessidade imperiosa de whiskey de milho, é que vai perceber o que está realmente acontecendo. Você então vai entender que nunca esteve tão sozinho, em total estado de abstinência. Como se estivesse arqueado sobre a direção de um Chevy 1950 cortando algum-a highway acidentada. Os poemas de Sergio Mello parecem implorar por um velho toca-fitas. Parecem te obrigar a atravessar a fronteira. A cometer crimes do lado de cá e ficar bebendo seguro em algum bar mal afamado do lado de lá. A ficar dançando alucinadamente um dixieland enquanto a polícia e os bandidos tão atrás da sua carcaça. É uma poesia construída à base de tapetes velhos, espigardas, fotos da Segunda Guerra e gestos de adeus. Uma poesia que passou a noite ouvindo cantos indígenas e solos de Hendrix enquanto dava cabo de uma duzia de buds. Você só vai entender depois que munido dos apetrechos necessários, começar a dar cabo desse livro que é na verdade um manual de últimos socorros. Se você espera a tranquilidade de uma cidade fantasma, então veio ao livro certo. Se você dirigiu a noite toda com febre, entupido de bennies, e só conseguiu parar quando percebeu que tava no meio do deserto com uma placa "Sem saída" à sua frente, então veio ao livro certo. Se você é do tipo que não acredita em espelho retrovisor, então veio ao livro certo. É uma poesia que está a milhas de algo que possa ser chamado de lar. Uma poesia que não vai aparecer nos álbuns de família já que nunca esteve lá nos dias de comemoração. É a poesia mais próxima de um disco de blues que eu já tive a sorte de ler. Ainda bem que o Sergio Mello inventou essa poesia. A gente tava precisando. Eu,pelo menos , tava." Mário Bortolotto