Este livro de Rosario Nascimento e Silva – atriz, cineasta, dramaturga e escritora, figura de proa no cenário artístico nacional –, lançado postumamente, estrutura-se quase que como um diário, confessional, formado por textos breves, muitos deles inéditos. Aos poucos, essas notas íntimas vão se moldando em narrativas gráficas e as notas se revelam contos, ainda que não percam o caráter de autodevassamento. O abismo é de onde escrevem as personagens de Rosario, todas decaídas, às margens da sociedade ou do amor.
O universo lírico de Rosario é formado a partir de desilusões. Não há redenção aqui, e o abandono ronda todos os habitantes das histórias – tudo isso evidenciado na prosa altamente poética empregada pela autora. Seu livro, de certa forma, se filia tardiamente à geração oitentista da literatura brasileira, que narrava agruras sentimentais, desesperos íntimos, não se furtando de falar de sexo, suicídio, drogas. A autora se desnuda diante os leitores. “Aqui podemos vê-la inteira, em suas agonias e êxtases permanentes”, define Paulo Coelho na contracapa.
Boa parte das personagens aqui apresentadas também escrevem. Escrevem para exorcizar algo que lhes impregna e que parece não ter cura – ressoa a célebre frase do escritor americano Charles Bukowski: “Estas palavras que escrevo me afastam da loucura total”. Além disso, o livro é um testamento artístico, resultado de uma das múltiplas facetas culturais de Rosario, uma mulher que era várias, atuante em todas as frentes da arte. Como aponta João Ubaldo Ribeiro na orelha que escreveu para o volume, logo após relatar os anos de amizade e compadrio com a autora: “Quem a conheceu de perto sabe o que eu quero dizer. E pode agora, com este livro, conhecer ainda mais algo do que pensava uma mulher, uma artista, que nunca será esquecida”.
O projeto gráfico, assinado por Humberto Nunes e Vanessa Balula, reflete este tom lúgubre-intimista. Numa relação em que a forma se torna intrínseca ao conteúdo, o design transforma a leitura do livro em uma experiência que vai além do comum. O texto aparece como se fosse manuscrito e mistura-se organicamente a um sem-fim de ilustrações, manchas, cartazes de filmes, notas coladas às páginas.