No fim do século XIX e começo do XX, a Rússia atravessava uma crise sem precedentes. O ambiente político e social deteriorava-se a passos largos. Com a morte do Czar Alexandre II, em 1881, a situação atingiu o ponto de ebulição. Alexandre III, seu sucessor, encontrou na população judia o bode expiatório perfeito. Era o início dos temidos massacres organizados (pogroms) pelo Exército Vermelho às pequenas aldeias (shtetl) judias.
Nesse cenário nebuloso, chamou a atenção o caso Beilis. Em março de 1911 um menino cristão foi encontrado morto nos arredores de Kiev. Mutilado e completamente enxágue, o crime foi atribuído a Mendel Beilis, um oleiro judeu que trabalhava próximo à cena do crime. Organizações antissemitas acreditavam que o sangue cristão pueril era a matéria-prima de um macabro ritual judaico, que usava o líquido vermelho para a preparação do pão ázimo. Beilis foi imediatamente considerado culpado, sendo torturado diversas vezes.
Cinquenta e cinco anos depois, o escritor americano Bernard Malamud, filho de judeus russos, resolveu recriar o episódio, transferindo o fardo para o personagem Iákov Bok, O faz-tudo. Entediado pela vida amesquinhada em sua aldeia e cerceado pelas leis da Torá, Iákov resolve mudar-se para Kiev. Com poucas ferramentas e na companhia de dois ou três livros amarelados - entre os quais uma biografia do filósofo Spinoza, cujos pensamentos foram o deflagrador de sua partida -, o faz-tudo empreende a jornada que mudará por completo sua existência. Ao chegar à "maravilhosa Kiev, mãe de todas as cidades russas", Iákov salva a vida de um empedernido antissemita, integrante dos paramilitares das Centúrias Negras. Sem saber da origem étnica do faz-tudo, acaba lhe empregando na olaria de sua família.
A convivência amistosa entre os dois homens - que se estendia à filha do velho homem - é acidentalmente interrompida pelo assassinato do pequeno Jênia Gólov. Sem chance de defender-se, Iákov é acusado e preso. E resiste, todavia. Resiste ao confinamento solitário, aos grilhões atados a seu corpo e as revistas vexatórias. Na cela fétida e sombria, recusa-se terminantemente a confissão forçada. É o início de uma penosa jornada. Lançado em meio a um vórtice, o faz-tudo dá início a mais longa viagem de sua vida, da qual sairá ciente de suas limitações, sábio da penosa condição humana que o cerca e que se estende aos judeus de sua época.
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance