O guardador de abismos, de Antonio Ventura, é, no seu
conjunto, um comovente relato dos encontros e desencontros
de um homem com sua própria infância.
As três partes da obra são atravessadas pelo mesmo
sopro lírico, que transforma o poeta (ainda que em prosa)
num ser tecido de água e vento. Na paisagem do passado, a
imaginação líquida e gasosa de Ventura nos convida ao êxtase
frente ao fluxo intérmino do pequeno rio, nos convoca
à fruição auditiva e amorosa dos pingos da chuva no telhado,
à contemplação das nuvens, sem esquecer o presente,
traduzido nas vigorosas celebrações da amada, ou ainda
o desencantado olhar ao futuro, num lamento em surdina
diante das coisas que escapam a nosso controle e desejo.
Carlos Drummond de Andrade é o grande interlocutor,
quase sempre implícito, elíptico, deste novo livro de Antonio:
não por acaso, a pujança da infância, o corpo feminino
e certa descrença na humanidade são traços comuns aos
dois poetas.
Após o belo O catador de palavras (2011), O guardador
de abismos é confirmação do talento — em verso & prosa —
de Antonio Ventura.
/// Por ANTONIO CARLOS SECCHIN
da Academia Brasileira de Letras