O Pássaro da Escuridão

O Pássaro da Escuridão Eugênia Sereno


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O Pássaro da Escuridão


Romance Antigo de uma Cidadezinha Brasileira




Sugestivo perfil de um município impróspero (cheio de devoção à inércia e de audiência a um sino), inserido num angustiado vão do mundo, sob a selvagem beleza de enormes montanhas, eis o traço principal deste estranho romance, que vem inscrever o nome de Eugênia Sereno na linha dos autores mais representativos de nossa literatura regional.

O PÁSSARO DA ESCURIDÃO, que responde por si mesmo, é o romance sem modelo de um coração visível e delatável – o coração de uma cidadezinha – pulsando entre várzeas e cordilheiras num panorama desolado, onde intanhas entoam ladainhas merencórias, corujas agouram na escuridão e um povo sem vôos, simplesmente, nasce e morre como as ervas e o Sol.

Mororó-Mirim, o burgo aqui retratado, onde a noite começa bem cedo e a vida aquebrantada expira em vagares, parece modelar-se à imagem das impassíveis montanhas que o circundam, na permanência e na imutabilidade que a Natureza lhes impõe. A vida vegetante e dócil espia e passa, bocejando na quietude quase palpável da cidade lanceada pelo sino, na letargia que a embala, sob a voz de um vento ingente. O mundo por aí não estremunha. Por isso, Mororó-Mirim é a estagnação de um burgo frustro, de um confim desamparado, que prescindiu do progresso, com suas três lojinhas de ruidoso turco biscateiro, contando tostão, mercanciando chitas e imagens, mel, carretéis, requeijão, broas e botinas, pássaros de plumagem arco-irisada.

Galinhas que cantam, que ciscam, que escutam, andam daqui para ali, dobram esquinas por entre as cortesias dos galos escandalizadores do silêncio e que, conjugalmente, fazem família nas ruas cheias de poeira e de serenidade, como que tocadas de tédio copioso. Cabras amojadas e patas filósofas e fleumáticas estacam no meio delas, fitando-se como compatriotas daquele quebrantamento, fraternizadas na exigüidade. Mulheres que catam o gato, que emprestam a bandeja e moram na rua-da-amargura sussurram pelas soleiras e falam do Dilúvio que lavou o mundo das ascorosidades...

Garnisés brancos, nanicas e maricas, de passinho miúdo e marchinha faceira, passeiam sem precauções entre as patas dos bois jungidos e de bugalho grande, que mugem monotonia na boca abundante, rolando as volumosas línguas e balançando as caudas sob as janelas de todas as cores, enfeitadas de roseirinhas trescalantes e arrudas miraculosas.



O mororense é um povo que não inquire, nem espera em seu pungitivo parorama de ausências, onde as asas emocionantes do pássaro da soledade se fazem presentes a cada instante, vagueando sobre ínfimos destinos humanos.

O PÁSSARO DA ESCURIDÃO, através dessa apatia, exterior e aparente, ganha, contudo, o âmago das almas, através de páginas onde a autora, num transporte de sensibilidade imaginante e dramática, fixa painéis de admirável tonalidade. Daí espelhar com vigor telúrico poucas vezes encontrado na história da nossa ficção um clima de poesia de miasmas, de cartas anônimas e argüitivas, de intriga chistosa, de espantos, maldições, fanatismos e pesadelos, de amores sombrios, de politiquices, feitiçarias e bisbilhotices, de obscuridades, de perseveranças de uma mulher piedosa, de libertinagens de uma mulata janota, de derrocadas humanas: um livro minucioso, de estilo insólito, de imprevisível ineditismo e, por vezes, de aflitivo, selvático e atormentado entrecho, ferido por um contacto de espavorida escuridão a acobertar o desamparo de uma pequeno humanidade indefesa.

Através de sua temática tão vetusta, porém, tocada por um sopro de arte evocativa incomum, por uma aragem de universalidade, o PÁSSARO DA ESCURIDÃO, com a sua riqueza léxica, a versatilidade de seu feitio, a sua autenticidade impressionante, aprofundando os aparentemente pequenos aspectos da psicologia humana, com a presença da coruja e o seu gargalhar sinistro surgindo e librando-se, obrigatoriamente sobre os cantos mais esconsos do texto e misturando-se aos gritos de um vento patético, com as serranias silenciosas, circunscrevendo a escuridão, onde moram os mistérios da noite, compõe no mundo das letras brasileiras um dos mais curiosos livros dos últimos tempos.

* Da orelha do livro O PÁSSARO DA ESCURIDÃO, Livraria José Olympio Editora, 1ª edição, 1965.

Drama

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