O Schabat

O Schabat Abraham Joshua Heschel


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O Schabat


Seu significado para o homem moderno




O Schabat - Seu Significado para o Homem Moderno. “Elegante, apaixonado e cheio de amor pela obra divina da criação, O Schabat de Abraham Joshua Heschel, foi desde sua publicação aclamado como um clássico da espiritualidade judaica, e um sem-número de leitores tem buscado em suas páginas um sentido para a vida neste nosso mundo globalizado e voltado para a caça dos valores da materialidade nas lojas de departamento da modernidade. Nesta breve, porém profunda meditação do significado do Sétimo Dia, um dos mais notáveis mestres do pensamento existencial e religioso da grei israelita introduz a sugestiva, se não fascinante, ideia de uma “arquitetura da santidade”, surgida, não no espaço, mas no tempo. O judaísmo, argumenta ele, é uma religião da temporalidade: encontra suas significações mais elevadas, não da dimensão espacial e nas coisas materiais que a preenchem, porém no tempo e na eternidade que o impregnam, de tal modo que as suas catedrais são, segundo esta visão de Heschel, os Schabatot”.



Abraham Joshua Heschel.



A civilização técnica é a conquista do espaço pelo homem. É um triunfo freqüentemente alcançado pelo sacrifício de um ingrediente essencial da existência, isto é, o tempo. Na civilização técnica nós gastamos tempo para ganhar espaço. Intensificar nosso poder no mundo do espaço é o nosso maior objetivo. No entanto, ter mais não significa ser mais. O poder que alcançamos no mundo do espaço termina abruptamente na fronteira do tempo. Mas o tempo é o coração da existência.



Ganhar o controle no mundo do espaço é certamente uma de nossas tarefas. O perigo começa quando, para ganhar poder no reino do espaço, pagamos com a perda de todas as aspirações no reino do tempo. Há um reino do tempo em que a meta não é ter, mas ser; não possuir, mas dar não controlar, mas partilhar; não submeter, mas estar de acordo. A vida vai mal quando o controle do espaço, a aquisição de coisas do espaço, torna-se nossa única preocupação.



Nada é mais útil do que o poder, nada é mais terrível. Temos amiúde sofrido de degradação pela pobreza, agora estamos ameaçados de degradação pelo poder. Há felicidade no amor ao trabalho, há desgraça no amor ao ganho. Muitos corações e cântaros quebram-se na fonte do lucro. Ao vender-se como escravo às coisas, o homem se torna um utensílio que é quebrado na fonte.



A civilização técnica brota primariamente do desejo do homem em submeter-se e manipular as forças da natureza. A manufatura de ferramentas, a arte da fiação e do cultivo, a arte da construção de casas, o mister da navegação – tudo isso tem lugar no espaço que envolve o homem. A preocupação da mente com as coisas do espaço afeta, até hoje, todas as atividades do homem. Mesmo religiões são, freqüentemente, dominadas pela noção de que a deidade reside no espaço, em locais especiais como montanhas, florestas, árvores ou pedras, que são, portanto, escolhidas como lugares sagrados; a deidade está ligada a uma terra em particular; santidade é uma qualidade associada a coisas do espaço, e a questão primordial é: Onde está deus? Há muito entusiasmo pela idéia de que Deus está presente no universo, mas esta idéia é adotada para significar sua presença no espaço mais do que no tempo, na natureza, mas do que na história; como se Ele fosse uma coisa, não um espírito.



Mesmo a religião panteísta é uma religião do espaço: o Supremo Ser é considerado como sendo o espaço infinito. “Deus sive natura” tem a extensão ou o espaço como seu atributo, não o tempo; o tempo, para Spinoza, é meramente um acidente do movimento, um modo de pensar. E seu desejo em desenvolver uma filosofia “more geométrico”, ao modo da geometria, que é a ciência do espaço, é significativo de sua inclinação pelo espaço.



A mente primitiva encontra dificuldade em compreender uma idéia sem a ajuda da imaginação e é no reino do espaço onde a imaginação exerce sua influência. Dos deuses é preciso ter uma imagem visível; onde não há imagem não há deus. A reverência pela imagem sagrada, pelo monumento, ou lugar sagrado não é apenas inerente à maioria das religiões, tendo sido inclusive preservada pelos homens de todas as épocas, de todas as nações, devotos, supersticiosos ou até anti-religiosos; todos eles continuam a prestar homenagem a estandartes e bandeiras, santuários nacionais, a monumentos erigidos em honra de reis e heróis. Em todo lugar a profanação de santuários sagrados é considerada um sacrilégio, e o santuário pode tornar-se tão importante que a idéia que ele representa é destinada ao olvido. O monumento torna-se um auxiliar da amnésia; os meios anulam o fim. Pois as coisas do espaço estão à mercê do homem. Embora, por demais sagradas para serem poluídas, elas não são por demais sagradas para serem exploradas. Para guardar o sagrado, para perpetuar a presença de deus, a sua imagem é moldada. No entanto, um deus que pode ser moldado, um deus que pode ser confinado, não é senão uma sombra do homem.



Todos nós ficamos enfeitiçados pelo esplendor do espaço, pela grandeza das coisas do espaço. Coisa é uma categoria que permanece pesadamente em nossas mentes, tiranizando todos os nossos pensamentos. Nossa imaginação tende a moldar todos os conceitos à sua imagem. Em nossa vida cotidiana seguimos, em primeiro lugar, o que nossos sentidos nos soletram: o que os olhos percebem e o que os dedos tocam. Realidade, para nós, é coisidade, e consiste de substâncias que ocupam o espaço; mesmo Deus é concebido pela maioria de nós como uma coisa.



O resultado de nossa coisificação é nossa cegueira à toda realidade que deixa de se identificar como uma coisa, como um fato real. Isto é óbvio em nosso entendimento do tempo, o qual, sendo desprovido de coisa e de substância nos aparece como se não tivesse realidade.



De fato, sabemos o que fazer com o espaço, mas não sabemos o que fazer com o tempo, exceto torná-lo subserviente ao espaço. A maioria de nós parece trabalhar em consideração às coisas do espaço. Como resultado sofremos de um temor do tempo profundamente enraizado, e ficamos consternados quando compelidos a olhar em sua face. O tempo para nós é sarcasmo, um astuto monstro traiçoeiro com uma mandíbula como uma fornalha, incinerando cada momento de nossas vidas. Esquivando-nos, entretanto, de enfrentar o tempo buscamos abrigo em coisas do espaço. As intenções que não podemos executar nós as depositamos no espaço; as posses se tornam símbolos de nossas repressões, jubileus de frustrações. Mas as coisas do espaço não são à prova de fogo; elas apenas acrescentam óleo às chamas. Será que a alegria da posse representa um antídoto contra o terror pelo tempo que cresce para tornar-se medo da morte inevitável? As coisas, quando ampliadas, são contrafações da felicidade, são uma ameaça para nossas próprias vidas; nós somos mais atormentados do que apoiados pelos Frankensteins das coisas espaciais.



É impossível ao homem furtar-se do problema do tempo. Quanto mais pensamos, mais compreendemos: nós não podemos conquistar o tempo por meio do espaço. Nós só podemos dominar o tempo no tempo.



A meta mais elevada da vida espiritual não é acumular riqueza de informação, mas arrostar momentos sagrados. Em uma experiência religiosa, por exemplo, não é uma coisa que se impõe ao homem, mas uma presença espiritual. O que é retido na alma é o momento da introvisão mais do que o lugar onde o ato se passou. Um momento de intuição é uma sorte, transportando-nos para além dos confins do tempo medido. A vida espiritual começa a decair quando falhamos em sentir a grandeza do que é eterno no tempo.



Nossa intenção não é desaprovar o mundo do espaço. Desmerecer o espaço e a bênção das coisas é desmerecer os trabalhos da criação, os trabalhos que Deus contemplou e viu “que eram bons”. O mundo não pode ser visto exclusivamente “sub specie temporis”. Tempo e espaço estão inter-relacionados. Passar por cima de qualquer deles é ser parcialmente cego. O que nós contestamos é a capitulação incondicional do homem ao espaço, sua escravização às coisas. Não devemos esquecer que não é uma coisa que empresta significação a um momento; é o momento que empresta significação às coisas.



A Bíblia preocupa-se mais com o tempo do que com o espaço. Ela vê o mundo na dimensão do tempo. Presta mais atenção às gerações, aos eventos do que aos países, às coisas; preocupa-se mais com a história do que com a geografia. Para entender o ensinamento da Bíblia, a pessoa precisa aceitar sua premissa de que o tempo tem um significado para a vida que é, pelo menos, igual a do espaço; que o tempo tem uma significação e soberanias próprias.



Não há equivalência para a palavra “coisa” no hebraico bíblico. O termo “davar”, que no hebraico ulterior veio designar coisa, significa em hebraico bíblico: fala; palavra; mensagem; relatório; notícias; conselho; pedido; promessa; decisão; sentença; tema; história; dito; declaração; atividade, ocupação; atos, bons atos; eventos, modo; maneira; razão; causa; mas nunca “coisa”. Seria isto um sinal de pobreza lingüística, ou melhor, uma indicação de uma visão de mundo distorcida, de não igualar a realidade (derivada da palavra latina “res”, coisa) à coisidade?



Um dos fatos mais importante na história da religião foi a transformação de festividades agrícolas em comemorações de eventos históricos. As festividades dos povos antigos estavam intimamente ligadas às estações da natureza. Celebravam o que acontecia na vida da natureza, nas respectivas estações. Assim, o valor do dia festivo era determinado pelas coisas que a natureza produzia ou não. NO judaísmo, a Páscoa, originalmente uma festa primaveril, tornou-se uma celebração do êxodo do Egito; a Festa das Semanas, uma antiga festividade de colheita no final da ceifa do trigo (hag hakazir, Êxodo 23.16; 34.22) converteu-se na celebração do dia em que a Torá foi dada no Sinai; a festa das Cabana, uma antiga festividade da vindima (hag haasif, Êxodo 23.16), comemora a morada dos israelitas em cabanas, durante sua permanência no deserto (Levítico 23.42s.). Para Israel, os acontecimentos singulares do tempo histórico foram espiritualmente mais significativos do que os processos repetitivos no ciclo da natureza, muito embora o sustento físico dependesse desta última. Enquanto as divindades de outros povos estavam associadas aos lugares ou coisas, o Deus de Israel era o Deus dos acontecimentos: o Redentor da escravidão, o Revelador da Torá, manifestando-se a Si mesmo em acontecimentos da história, mais do que em coisas ou lugares. Assim, a fé no incorpóreo, no inimaginável, nasceu.



O judaísmo é uma religião do tempo visando a santificação do tempo. Diferentemente do homem propenso para a espacialidade, isto é, aquele para quem o tempo é invariável, interativo e homogêneo, para quem todas as horas são iguais, desprovidas de qualidade e conchas vazias, a Bíblia percebe o caráter diversificado do tempo. Não existem duas horas semelhantes. Cada hora é única e uma só, dada naquele momento, exclusiva e infinitamente preciosa.



O judaísmo nos ensina a nos prendermos à santidade no tempo, a nos vincularmos aos acontecimentos sagrados, a aprender como consagrar santuários que emergem do magnificente curso de um ano. Os “Schabatot” são nossas grandes catedrais, e nosso Santo dos Santos é um relicário que nem os romanos nem os alemães foram capazes de queimar; um relicário que sequer a apostasia pode facilmente obliterar: o Dia da Expiação. De acordo com os antigos rabis, não é a observância do Dia da Expiação, mas, o Dia mesmo, a “essência do Dia”, que, com o arrependimento do homem, expia pelos pecados do homem.



O ritual judaico pode ser caracterizado como a arte das formas significantes no tempo, como “arquitetura do tempo”. A maioria de suas observâncias – o Schabat, a lua nova, as festas, o ano sabático e o ano do jubileu – depende de uma certa hora do dia ou estação do ano. É, por exemplo, o anoitecer, o amanhecer ou o entardecer que trazem com eles o chamado para a prece. Os temas principais da fé jazem no reino do tempo. Lembramos do dia do êxodo do Egito, do dia em que Israel parou no Sinai, e nossa esperança está na expectativa de um dia, do fim dos dias.



Em uma obra de arte bem composta uma idéia de destacada importância não é introduzida casualmente, mas, como um rei em uma cerimônia oficial, ela é apresentada em um dado momento e de uma forma que trará à luz sua autoridade e liderança. Na Bíblia as palavras são empregadas com apurado cuidado, particularmente aquelas que, como pilares de fogo, norteiam o caminho no vasto sistema do mundo de significado bíblico.



Uma das mais notáveis palavras na Bíblia é “cadosch”, santo; uma palavra que, mais do que qualquer outra, é representativa do mistério e majestade do divino. Pois bem, qual teria sido o primeiro objeto santo na história do mundo? Teria sido uma montanha? Teria sido um altar? De fato, é uma ocasião única aquela em que a notável palavra “cadosch” é usada pela primeira vez: no Livro do Gênese, ao final da história da criação. Quão extremamente significativo é o fato dela ser aplicada ao tempo: “E Deus abençoou o sétimo dia e fê-lo santo. Não há referência no relato da criação a nenhum objeto no espaço que teria sido dotado com a qualidade de santidade.



Esta é a diferença radical do costumeiro pensamento religioso. A mentalidade mítica esperaria que, após o estabelecimento do céu e da terra, Deus criaria um lugar santificado – uma montanha sagrada ou uma fonte sagrada – sobre a qual seria erigido um santuário. No entanto, para a Bíblia, segundo parece, é a santidade no tempo, o Schabat, que vem em primeiro lugar.



Quando a história começou havia somente uma santidade no mundo, a santidade do tempo. Quando no Sinai a palavra de Deus estava a ponto de ser proferida, um chamado em prol da santidade no homem foi proclamado: “Tu há de ser perante mim o povo sagrado”. Foi apenas depois que o povo sucumbiu à tentação de adorar uma coisa, o bezerro de ouro, que a construção do Tabernáculo, da santidade no espaço, foi ordenada. A santidade do tempo veio em primeiro, a santidade do homem em segundo, e a santidade do espaço por último. O tempo foi abençoado por Deus, o espaço e o Tabernáculo foram consagrados por Moisés.



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