"Mas quando aparece alguém que chama a si todas as suas forças, um solitário por exemplo, que desejaria ficar bem rotundamente assente sobre si mesmo dia e noite, então desafia a contradição, o desdém e o ódio dos utensílios degenerados que, na sua má consciência, já não podem suportar que alguma coisa se mantenha unida em si e aspire ao seu próprio sentido. Então mancomunam-se para o incomodar, para o assustar, para o confundir, e sabem que o podem conseguir. Então, com sinais maldosos de uns para os outros, começam o seu trabalho de sedução que vai crescendo até ao desmedido e arrasta todos os seres e o próprio deus contra o solitário que talvez venha a sair vencedor: o Santo."
"Os cadernos de Malte Laurids Brigge" são, na verdade, uma viagem em busca da existência sem deformações. O personagem Malte Laurids Brigge narra suas experiências e impressões pessoais, interpretando situações cotidianas sob uma ótica subjetiva e intimista. Com a sensibilidade aguda peculiar ao escritor que ele é, questiona fatos que costumeiramente não são analisados, refletindo sobre os fins últimos da vida e seu grande mistério a morte. Brigge, que sofre da mesma doença que vitimou seu avô, "a coisa grande", como ele a define, conclui que a morte é solitária, particular. Essas circunstâncias culminam na epifania que o leva a afirmar, de forma bastante pessoal, que a visão não é na verdade um dom inato, mas uma faculdade a ser buscada e cultivada no decorrer da vida. "Os Cadernos de Malte Laurids Brigge" são também um texto de requintada meditação em que se mesclam poesia e ação. Disso resulta uma história forte e reveladora, ao longo da qual o leitor descortina, mesmo que por meio de outros olhos, verdades que quase sempre parecem veladas.
Literatura Estrangeira / Romance