Polícia Civil de Pernambuco

Polícia Civil de Pernambuco Jorge Zaverucha


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Polícia Civil de Pernambuco


o desafio da reforma




Prefácio do livro Polícia Civil de Pernambuco: O Desafio da Reforma, pelo Prof. Roberto Aguiar



Fonte: http://jorgezaverucha.sites.uol.com.br



As obras sobre Segurança Pública e suas instituições, salvo as exceções de preceito, apresentam características peculiares: elas podem se caracterizar como análises de dados estatísticos sobre os problemas da violência, aparecem também como propostas onde não conseguimos vislumbrar seu fundo epistemológico, muitas delas são reducionistas, traduzindo seu respaldo positivista, e outras são tábuas de intenção, sem indicação de factibilidade. Com isso, essa literatura tende a circular nos meios especializados, não apresentando qualquer acréscimo reflexivo para a cidadania, além de ignorar solenemente a dimensão política maior que está por detrás das estruturas policiais e seus problemas.



Há dificuldade de se aceitar um enfoque sistêmico e multidisciplinar, o que redunda em pobreza de conclusões teóricas e limitações na dimensão operacional. A isso, podemos acrescer um isolacionismo frente os temas tratados, o que gera uma análise interna corporis, como se as instituições de segurança fossem apartadas do mundo.



Este livro de Jorge Zaverucha caminha em outra direção. Ele apresenta um olhar sistêmico e multidisciplinar, não recuando perante os problemas políticos e escolhendo a chave democrática e ética para tratar de temas que não podem ser estudados dentro de uma suposta neutralidade inexistente no conhecimento. Estudar as polícias exige uma tomada de posição, uma clareza de princípios, uma adesão aos direitos humanos e fundamentais e é isso que o Autor faz.



Este trabalho espelha nitidamente seu perfil de um pesquisador e cidadão. Mais do que uma análise da Polícia Civil de Pernambuco e do estabelecimento de direções para sua reforma, é um ensaio de Ciência Política, de reafirmação de valores éticos e de definição dos rumos democráticos para a Segurança Pública, o que significa também rumos para a sociedade brasileira como um todo. Essas dimensões são operacionalmente traduzidas, seja por considerações de ordem técnica, seja pelas análises da juridicidade vigente e pretérita.



O livro, inicialmente, apresenta as bases sobre as quais o trabalho vai se desenvolver, tratando dos entendimentos de polícia como referenciados às práticas sociais, apresentando a clivagem entre a polícia legal e real advinda de um estado de direito que se compraz em editar normas, mas não em cumpri-las. Assim, sai da falácia aceita por muitos, segundo a qual o estado de direito se esgota na juridicidade editada e não nas práticas vigentes na sociedade. Também, a partir do rigor no tratamento do tema, não corre o risco de tratar os direitos humanos de forma superficial ou denuncista, mas de modo consistente e fiel às lutas históricas que os vão constituindo.



É um texto corajoso, que não encobre com véus a realidade crua do tema estudado, atitude rara nesses tempos de esgarçamento do tecido ético e da cultura do espetáculo e banalização do mal.



Aspecto importante do texto está no fato de mostrar o atraso brasileiro em termos de concepção de polícia, evidenciando as pegadas pesadas do regime militar, que ainda influem na organização, entendimento e práticas policiais, que dificultam a realização democrática na Segurança Pública e na vida nacional.



Pernambuco é o foco da pesquisa empírica, mas o objetivo de fundo é o de mostrar os problemas de segurança do país, que, em seus vários estados, apesar de suas peculiaridades, apresentam as mesmas tensões, distorções e crises, sem que haja vontade política de tomar decisões que venham a doer e que lancetem as feridas infeccionadas dos interesses espúrios que impedem a realização democrática. Há uma certa cultura vigente, que admite o capitalismo sem risco, onde as grandes empresas falidas são socorridas pelo Estado, mesmo que essa queda seja fraudulenta. Em termos de Segurança Pública existem problemas gritantes sobejamente conhecidos, que sempre são tratados de modo leniente ou por decisões que sempre deixam espaço para o fortalecimento da violência, arbítrio da corrupção e da impunidade em nossas instituições. Nos dois casos citados, quem paga a conta existencial e economicamente é a cidadania. A busca de nitidez de atitudes, do fim das farsas, do fortalecimento e responsabilização democrática de nossos órgãos públicos é outra marca deste trabalho.



O mundo se transformou e as estruturas estatais, em especial as policiais, pararam no tempo, seja em sua juridicidade, seja em sua gestão, seja em seu equipamento e, principalmente, no âmbito das cabeças de seus servidores formados para o exercício de práticas inúteis, violentas e não iluminadas pela ciência e tecnologia hoje disponíveis e sem fundamentos conceituais e técnicos para fazer frente à nova criminalidade contemporânea.



Para desenhar esse problema, Jorge esmiúça as práticas policialescas, mostra suas distorções, evidencia a ausência de investimentos racionais, denuncia a estrutura teratológica da distribuição de funções na segurança pública, encaminhando para uma análise arguta do vácuo institucional que a legalidade brasileira enseja, mostrando a militarização desnecessária e deformante, a subordinação ao Exército e a conseqüente estrutura antidemocrática e desviada do papel de serviço para a cidadania que as polícias teriam. Sempre é preciso lembrar que o trabalho policial é o da manutenção e promoção da paz, mesmo pelo uso legítimo da força, enquanto as Forças Armadas tem um papel de defesa do Estado, de guerra, o que enseja práticas profissionais profundamente diferenciadas e, mesmo, incompatíveis. Essa subordinação atenta contra a democracia e deforma as cabeças e estruturas policiais.



Corajosamente propõe, a partir de seus diagnósticos os ciclos completos das polícias, já que a realidade demonstra a ineficiência de existirem meias polícias que se chocam em atribuições, em lutas por espaços de poder e em duplicações de departamentos e órgãos, o que gera, no mínimo, uma irracionalidade de gastos. O trabalho aponta para uma unificação sistêmica das polícias e não para unificação das polícias, o que seria um perigo para a ordem democrática, instaurando, definitivamente, um estado concorrente em disputa com o Estado legal. Esse perigo já existe a partir das tramas que ligam as atividades policiais com a política eleitoral, como bem mostra o autor, analisando a conduta de agentes da segurança pública que são híbridos de servidores públicos e políticos profissionais, entrelaçando essas atividades para manter e aumentar suas bases eleitorais.



O inquérito policial, que tantos problemas tem criado, deve ser modificado. Para tanto, é preciso um tratamento sistêmico que envolva a Magistratura, o Ministério Público e a própria cidadania organizada. Sem esse procedimento, um poder sem a devida responsabilização continuará a dificultar as ações de Segurança Pública. Zaverucha trabalha com rigor esse aspecto nodal dos problemas das polícias civis do Brasil, que, pelo indiciamento quebra a presunção de inocência, marca fundamental da democracia, além de duplicar inutilmente o procedimento penal.



Se as polícias ainda estão com seus faróis para trás, é evidente que a ciência e menosprezada, seja em termos de investimento, seja em termos de consideração de seus conceitos e procedimentos técnicos. Concordo com a posição de Zaverucha que entende que a perícia criminal, os institutos médicos legais e as atividades correlatas, devem estar ligadas às secretarias de justiça, ou universidades, ou até mesmo à magistratura para dar independência, eqüidistância e rigor científico às suas atividades.



Suas sugestões apontam caminhos para a superação realista dos problemas apresentados no texto. Elas abarcam aspectos gerenciais, de compatibilização de territórios, de controle legislativo, de padronização de normas e procedimentos, de fornecimento de equipamentos e seu controle, da primazia da polícia investigativa sobre a judiciária, da corregedoria renovada, da criteriologia de promoção, da interiorização da polícia, da criação de ouvidoria, da melhora do departamento de recursos humanos, de memória institucional, de polícia científica e de política partidária. Esse leque de recomendações é importante para todos aqueles que militam como pesquisadores ou operadores na área de Segurança Pública, do direito positivo e dos direitos humanos, podendo, além se seus objetivos primeiros, se tornar um texto orientador para a cidadania, pois sintetiza o que há de mais atual em termos epistemológicos, éticos, políticos e técnicos.



Para mim, que conheço a formação, a trajetória e a coragem do autor, este trabalho confirma seu compromisso como pesquisador, professor e cidadão com a justiça, com a ética e com a busca da verdade científica. Em suma, é um livro que deve ser obrigatoriamente lido pelos envolvidos no tema.







Roberto A. R. de Aguiar, é Professor Titular de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Foi Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal (1996-1998) e do Rio de Janeiro (2002).

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