Psicologização no Brasil

Psicologização no Brasil Luiz Fernando Dias Duarte...


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Psicologização no Brasil


autores e atores




O olhar histórico traz sempre uma benéfica relativização dos nossos
conceitos e práticas atuais, assim como os esforços de restauração da
genealogia do conhecimento permitem reconhecer a determinação cultural
de toda prática dita científica.
Re c ent e e impor t ant e cont r ibui ç ão ne s s e s ent ido é a col e t âne a
Ps i cologi zação no Bras i l : atore s e autore s, l anç ada em 2005, cujos
organizadores são Luiz Fernando Dias Duarte, Jane Russo e Ana Teresa
A. Venancio.
O livro reúne dez ensaios, textos produzidos no âmbito do projeto
denominado Institucionalização dos saberes psicológicos no Brasil (Rio
d e J a n e i ro ) : uma c o n t r i b u i ç ã o à a n t ro p o l o g i a d a p e s s o a o c i d e n t a l
moderna, desenvolvido entre 1995 e 2003, com apoio do CNPq – Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Tal projeto cooperativo agrupou trabalhos desenvolvidos em unidades
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS-MN) e o
Instituto de Psiquiatria (IPUB), bem como da Universidade do Estado do
Rio de J ane i ro (UERJ) , os Ins t i tutos de Medi c ina Soc i a l (IMS) e de
Psicologia (IP). A sua coordenação geral esteve a cargo de Luiz Fernando
Dias Duarte, do PPGAS-MN.
Informam os organizadores que o objetivo central das pesquisas
int egr ant e s de s s e proj e to foi o de cont r ibui r pa r a o “ e s c l a r e c imento
histórico-etnográfico dos processos sociais que vêm agindo na sociedade4
R E V I S T A
L A T I N O A M E R I C A N A
D E P S I C O P A TO L O G I A
F U N D A M E N T A L
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brasileira no sentido da ‘individualização’, por intermédio da ‘interiorização’
propiciada pela difusão, pelo consumo e pela reprodução das representações
‘psicologizadas’ da pessoa ocidental moderna” (p. 7, aspas no original).
Cabe aqui uma observação sobre os sentidos do termo “psicologização”.
Em seu ensaio, Luiz Fernando D. Duarte (p. 167-68) observa que ele pode se
referir, de forma genérica e de maneira recuada no tempo, às concepções da
pessoa humana como dotada de vontade e interioridade, à crença na existência
de uma realidade interna ao ente humano, objetos de reflexão da religião e da
filosofia. Um segundo registro, bem mais específico e recente, e que é aquele
usado nos trabalhos apresentados na coletânea, diria respeito à institucionalização
e difusão dos chamados saberes psi, tal como entendidos no contexto moderno,
marcado pela exigência de cientificidade.
Existe ainda o verbo “psicologizar”, usado na linguagem comum contemporânea, encontrável em dicionários da língua portuguesa, e que significa tanto
“estudar ou dedicar-se à psicologia” como, em senso pejorativo, “fazer especulações de cunho psicológico sem base científica” (cf. o Dicionário Houaiss, 2001).
D i a n t e d e s t a s v a r i a ç õ e s s e m â n t i c a s , u m a q u e s t ã o c a b í v e l é s e
“psicologização” seria um substantivo realmente capaz de sintetizar complexos
processos históricos, ou se não seria mais vantajoso descrever por extenso o
que se estuda, no caso, institucionalização e difusão (propagação, disseminação,
desenvolvimento etc.) das disciplinas que compartilham o prefixo psi. De toda
forma, se o debate pode começar pelo título, isto indica que um dos objetivos
do trabalho, “desvendar o próprio processo de constituição de fronteiras que hoje
vemos de forma naturalizada” (p. 8), está já se cumprindo.
O fio condutor do volume é a análise de autores que atuaram de forma
importante nos processos de institucionalização – considerados em aspectos
políticos, culturais, científicos e sociais – da psiquiatria, da psicologia e da
psicanálise no país, do fim do século XIX a meados do XX. A coletânea não
incluiu, nem pretendeu fazê-lo, todos os personagens importantes na história de
que se ocupa.
A i n d a a s s i m , n ã o s e r i a p o s s í v e l , n o e s p a ç o d e s t a r e s e n h a , a n a l i s a r
detalhadamente os dez capítulos do livro, que são contribuições muito diversas
nos recortes teóricos e ainda no grau de aprofundamento analítico apresentado.
Cor r endo o r i s co de s e r, ao me smo t empo, supe r f i c i a l e prol ixa , opt e i por
descrever os temas da coletânea e seus respectivos autores, convidando o leitor
a consultar cada capítulo citado.
O primeiro ensaio, o único que não se ocupa de um autor específico, versa
sobre as relações entre vertentes do pensamento católico no Brasil e os valores
do individualismo e foi escrito por Pierre Sanchis; a seguir, Manoel Olavo Teixeira
estuda o alienista, professor de psiquiatria e político João Carlos Teixeira BrandãoR E S E N H A S
DE LIVROS
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e sua influente atuação na passagem do Império à República, na então capital;
ainda ambientado no Rio de Janeiro, o terceiro capítulo nos apresenta parte da
obra do médico baiano Juliano Moreira, produzida durante sua marcante atuação
de 30 anos à frente do Hospício Nacional de Alienados, sendo de autoria de Ana
Teresa Venancio e de Lázara Carvalhal. Prosseguindo, Olívia Maria da Cunha nos
fala de outro médico, o paulista Leonídio Ribeiro, atuante na área de criminologia
e que produziu, entre outros, um estudo psicopatológico sobre o conhecido
criminoso Febrônio Índio do Brasil; Ana Maria Jacó-Vilela enfoca o psiquiatra e
educador Ulysses Pernambucano e sua contribuição ao desenvolvimento de
interfaces nas áreas da saúde e da educação, bem como no campo da saúde
pública, concernente à reforma da assistência aos doentes mentais do Recife; a
p s i c ó l o g a e e d u c a d o r a He l e n a A n t i p o f f, r u s s a r a d i c a d a em Mi n a s Ge r a i s ,
inovadora no campo da educação, especificamente da pedagogia das crianças ditas
“especiais”, é objeto do estudo de Karina Pereira Pinto.
A seguir, temos o ensaio de Jane Russo sobre o médico Júlio Porto-Carrero
e sua forte atuação na difusão da psicanálise (entendida sobretudo como instrumento pedagógico e civilizador), na então capital federal; Alexandre Schreiner
focaliza a ampla produção do médico alagoano Arthur Ramos, especialmente aquela relacionada à infância, em que se articularam higiene mental, psicanálise e pedagogia; no penúltimo capítulo, a obra do sociólogo francês Roger Bastide é
tratada por Luiz Fernando Duarte, que sublinha o marcante papel de Bastide na
incorporação da dimensão psicológica ao pensamento sociológico, sobretudo através do uso da teoria psicanalítica na análise das manifestações religiosas afrobrasileiras; por fim, Hildeberto Vieira Martins trata da influência do trabalho do
médico cubano, radicado no Estado do Rio de Janeiro, Emílio Mira y López nos
processos de institucionalização da psicologia e de profissionalização do psicó-
logo, especialmente pelo desenvolvimento da psicotécnica.
Com relação às referências bibliográficas, fez-se uma opção de risco: todas
elas, dos dez ensaios, encontram-se reunidas no fim do livro. Isto não parece
v a n t a j o s o p a r a o l e i t o r i n t e r e s s a d o em v i s u a l i z a r r a p i d ame n t e o c o n j u n t o
bibliográfico usado em cada um deles, além de obrigar a idas e vindas entre as
páginas dos textos e as das respectivas referências.
Elogiável é a presença de índices onomástico e analítico e de uma seção
de notas biográficas, ao fim do volume, instrumentos úteis numa obra sobre tantos
autores e atores.
Enfim, esta obra coletiva, fruto de salutar cooperação entre pesquisadores
de duas universidades públicas, traz pesquisas originais e contribuições relevantes
pa r a a compr e ens ão da gêne s e e da conforma ç ão a tua l dos he t e rogêneos e
multiformes campos psi, sendo, portanto, sua leitura altamente recomendável

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Fernando
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18/01/2012 13:29:26

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