Primordial

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Resenhas - Primordial


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Paulo 26/12/2023

Histórias de conspiração são sempre coisas interessantes e diferentes. Seja por despertar nosso interesse em situações tensas ou alimentar pretensas ideias malucas sobre situações improváveis. Quando me falaram o enredo de Primordial, confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha. Vivemos em um mundo tão doido com pessoas se dedicando a espalhar desinformação nas redes sociais que uma história justamente sobre teorias conspiratórias me parecia fora de tom. Mas, fui surpreendido mais uma vez com a abordagem humana e sensível feita por Jeff Lemire. Isso porque a história não é sobre teorias conspiratórias... até tem, mas não é sobre isso. O resultado é uma linda história, principalmente para aqueles que gostam de seus bichinhos de estimação, que desenvolvem um amor incondicional por eles. Tem lá os outros plots sobre um what if da URSS se não tivesse mais o programa espacial, mas a trama de Able, Baker e Laika é tão fofa que toma todo o resto do quadrinho.


Na narrativa o doutor Penbrook é contratado para supervisionar a desmontagem de um centro aeroespacial de onde dois macacos, Able e Baker, foram enviados ao espaço no foguete Júpiter. Uma missão que acabou falhando com a explosão inicial do foguete. Só que depois de investigar alguns dos instrumentos, Penbrook percebe que os dois macacos não morreram, mas foram capturados. Isso o coloca na órbita das agências de inteligência que querem silenciá-lo para evitar que a notícia do motivo da extinção do programa espacial seja divulgada. Penbrook descobre também que Laika, a cadelinha que foi enviada ao espaço teve o mesmo destino. Alguma coisa está acontecendo no espaço que deixou os governos americano e soviéticos tão apavorados que eles preferiram nunca mais ire ao espaço. Enquanto isso, descobrimos qual o destino dos três animaizinhos e o desejo deles de voltar para casa.


Andrea Sorrentino vive um momento especial em sua carreira como artista. Depois de seis edições maravilhosas de Gideon Falls onde ele se descobriu nesse gênero mais voltado para o terror, ele toca o terror literalmente aqui em Primordial. Ainda acho que ele está melhor em Gideon Falls, mas aqui ele nos coloca em outra dimensão através de seus quadros. Ele usa um recurso de arte fragmentada, quase como se colocássemos uma fotografia em um caleidoscópio para ver como o instrumento quebraria em mil pedaços uma dada imagem. Ele brinca com esse efeito fractal ao longo de todas as edições. O resultado é um negócio maravilhoso de tão insano. E combina bastante com o estilo ficção científica da HQ. As páginas são totalmente assimétricas, explorando essa ideia de que os animais estão em algum tipo de outra dimensão onde as leis da física não funcionam do mesmo jeito. É curioso porque quando a ação se passa na Terra, a quadrinização segue um padrão tradicional que me faz pensar até no estilo que Sean Phillips usa em suas HQs: quadros fechados, closes, um emprego de cores bem escuras. Quando o roteiro vai para o espaço, tudo se torna brilhante, os quadros variam de formato e tamanho. Preciso destacar também o quanto os animais estão muito expressivos. E Sorrentino fez isso sem antropomorfizá-los; provavelmente deve ter estudado as expressões feitas naturalmente por animais. Vou usar como exemplo a Laika, que é uma cadelinha e é mais fácil de visualizar. Os movimentos de cabeça, formas de olhar e expressões gestuais gerais são naturais de cachorros. O que me espantou foi o quanto o artista trabalhou para não dar um ar artificial a isso e a empatia gerada entre o personagem e o leitor se torna muito maior. Alguns quadros são artisticamente lindos.



A inspiração dessa HQ é claramente na Odisseia, de Homero. Nós temos alguns animais que foram enviados a uma jornada no espaço, evoluíram como seres, alcançaram outros status e agora desejam voltar para casa. Esse retorno é complicado por uma série de obstáculos que precisam ser vencidos até eles retornarem à sua origem e encontrarem tudo modificado, embora eles sejam esperados com amor e carinho. Se a gente pegar esse enredo, que é dois terços do que é Primordial, já é uma história bela. A maneira como Lemire humaniza os personagens é o diferencial das histórias dele. Curioso que eu estava um pouco cansado do Lemire há alguns anos atrás, talvez pelo excesso de histórias dele disponíveis no mercado. E Primordial me fez lembrar do porquê precisamos desse tipo de histórias circulando entre as HQs que lemos todos os meses. O autor fornece esse toque de amor e sensibilidade que faltam para nós. Os animais terem obtido algum tipo de evolução que os permite se comunicar é um toque extra nesse raciocínio de que nossos bichinhos são capazes de entender o ambiente ao seu redor. Claro que eles não falam com a fluência de um poeta, mas conseguem nos transmitir como eles vivenciam o ambiente que os cerca. Achei genial a maneira como Lemire faz essa transposição.


Precisamos falar sobre o que acontece na Terra. E confesso que foi a parte que eu menos curti na HQ. Simplesmente porque a história dos bichinhos era tão mais interessante. Mas, algumas coisas que aconteciam aqui eram "primordiais" para ajudar o enredo deles. Somos colocados em um ambiente de Guerra Fria com a perseguição aos comunistas e todas aquelas ideias de espionagem e roubo de tecnologias. A diferença criada por Lemire é que a corrida espacial nunca aconteceu porque os animais enviados ao espaço foram capturados por alguma força extraterrestre. Isso amedrontou os governantes a ponto de eles desmontarem seus programas espaciais. Antes que vocês perguntem, o enredo sobre quem são esses extraterrestres ou qualquer coisa do gênero não é abordado. Não temos nenhuma pista sobre isso e a informação que Lemire dá é mais na dedução do que qualquer outra coisa. Não é uma falha de roteiro, é só que a história não é sobre isso então Lemire nem se deu ao trabalho de se voltar para isso. Lemire consegue trabalhar bem o contexto de tensão e conflito do período, só que achei desnecessário ele ter criado um what-if de um lugar comunista no futuro. É uma virada narrativa curiosa, mas não acrescenta muita coisa no final. Ele poderia ter mantido a nossa realidade atual com algumas mudanças sutis. Se era para provocar choque, não funcionou.


A HQ é também sobre a relação que temos com nossos animais de estimação. E há um claro contraste entre as formas de tratamento dadas a Laika e a Able e Baker. Os dois macacos eram entendidos realmente como cobaias. Passaram por vários momentos ruins e eram entendidos como descartáveis pelo governo americano. Aliás, enquanto o governo russo buscou tentar encontrar a Sputnik, os americanos apenas abandonaram tudo, entendendo a dupla como perdida. Curioso ver que é o lado soviético que demonstra um carinho maior. Yelena sofre por não saber se Laika está viva ou morta. A cadelinha sofre por estar longe de sua dona. Enquanto Laika faz todo o possível para voltar para casa, Able e Baker sentem que finalmente possuem a liberdade que tanto queriam. Era chegado o fim das experiências e do tratamento ruim dado a eles. Ambos não sabiam que os humanos poderiam ser carinhosos com eles. Laika tenta transmitir um pouco desse carinho para os dois macacos. E é isso que faz a relação entre eles se tornar mais próxima. Laika queria dar uma esperança de vida a eles, um motivo para eles aceitarem realizar aquela jornada junto com ela. Tem dois momentos específicos na HQ que são emocionantes e funcionam justamente como uma transmissão desse sentimento de amor e carinho.


Primordial é uma belíssima história de um roteirista que gosta de trabalhar os sentimentos e a relação que estabelecemos com outras pessoas. Lemire parece estar revigorado e nos apresenta um roteiro que se mantém interessante até o final. Mais do que isso: ele emprega poucos balões de diálogo e permite a Andrea Sorrentino brilhar. A arte dele está um escândalo e o meu destaque vai para as cenas mais insanas no espaço e os momentos mais marcados pelo amor e pelo carinho. A edição da Trem Fantasma contém todos os números da série, está vindo em uma capa dura com uma contracapa lindíssima feita em papel luxuoso. A edição está em um papel couché brilhoso. Minha edição acompanhou um poster em bacana da capa e possui alguns extras no final com todas as capas alternativas e uns esboços feitos por Sorrentino. A tradução feita pelo Mário Luiz C. Barroso também está ótima e manteve a essência da escrita do Lemire. Vale a pena e a edição é bem fechadinha. Dá para ler e curtir a história.

site: https://www.ficcoeshumanas.com.br/post/resenha-primordial-de-jeff-lemire-e-andrea-sorrentino
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PedroTOS Ribeiro 22/11/2023

Psicodélico, científico, emotivo E político
Primordial é um quadrinho muito interessante, rápido impresso com uma qualidade impecável para comportar uma arte maravilhosa e um roteiro emocionante, num plano de fundo inesperado, um prazer de ler um gibi tão cheio de camadas!!
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Bruno Henrique 29/10/2023

Um breve ensaio que demonstra mais uma vez a capacidade artística e criativa de Sorrentino e os roteiros contemplativos e ?familiares? de Lemire (a relação familiar dessa vez se ancora no amor de pets rs) mas curto e apressado demais pra sequer ser relevante. Nao vale o preço nem a edição caprichada. Um caça níquel surfando na hype do autor queridinho das editoras atualmente
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@letraepapel 26/06/2023

Tente não chorar com essa leitura e falhe miseravelmente!
Se você também acredita que existem ?mais coisas entre o céu e a terra do que julga nossa vã filosofia?, se liga aqui nessa dica de leitura!

Sabe a cachorrinha Laika? Aquela que foi enviada à órbita da Terra pela União Soviética? E os macacos Able e Baker, enviados pelos Estados Unidos? Pois então! Esses animais nunca voltaram, mas Primordial traz uma explicação bem diferente da versão oficial para o sumiço desses bichinhos que agora estão tentando voltar para casa.

Conheci o autor Jeff Lemire em Black Hammer, uma história de super heróis decadentes, mas contada de um jeito diferentão, meio macabro e, porque não dizer, bonito. Peguei Primordial para ler com a expectativa de encontrar algo do tipo e? Foi isso e muito mais!

Através de Laika, Able e Baker, o autor se supera em sensibilidade sem deixar a estranheza de lado e tudo isso no cenário cheio de teorias da conspiração como foi a Guerra Fria e a corrida ao espaço. Os traços de Andrea Sorrentino, sem contornos muito definidos, junto às cores de Dave Stewart, por vezes sombrias e outras vezes coloridas, quase iridescentes, só somaram emoções ao roteiro de Lemire.

Fica a minha recomendação dessa ficção científica maravilhosa e o aviso: prepare os lencinhos! Hehehe!
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Lali 03/06/2023

Uma história tocante sobre até onde estamos dispostos a ir por amor. Partindo da corrida espacial entre EUA e URSS, transformando história em uma ficção extremamente interessante e bem amarrada.
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