Alex 28/02/2016Um modelo que está se esgotandoCom o recente embate diplomático sobre o programa nuclear iraniano, a dissidência política iraniana exilada tem sido fonte de grande atenção pelo Ocidente. Diretores de cinema, ativistas, e jornalistas iranianos têm recebido prêmios e destaques. E as graphic novels não são exceções: depois de Persépolis (Marjane Satrapi, 2007), e Paraíso de Zahra (Amir e Khalil, 2009), Uma Metamorfose Iraniana (Mana Neyestani), lançada no Brasil em 2015, veio para somar como um sucesso de crítica sobre quadrinhos que retratam o sistema político-penal da República Islâmica do Irã.
A HQ é de leitura agradável, com toques de humor, suspense, e uma história que nos prende do começo ao fim. O traço de Mana é belo e a escolha da técnica de hachura (método de linhas paralelas para formar texturas e sombras) foi feliz, propiciando o clima sombrio adequado para uma história kafkiana de injustiça e perseguição, diferentemente do que seria com um traço suave e limpo (o autor propositalmente evidencia esse contraste ao, em algumas cenas, acrescentar um cartoon infantil imaginário, que lembra muito o soldado zero).
Mana quis dar a mesma sensação do pesadelo de Gregor Samsa de Kafka, que do início ao fim está em um sonho horrível, num quarto abafado, opressor, sem visuais belos. O custo dessa abordagem, porém, foi a capacidade de imersão na história. Os personagens de UMI, principalmente os burocratas e juízes vilões, são previsíveis e caricatos. O protagonista aparentemente não sai da condição de observador passivo, arrastado pelos eventos, o que diversas vezes não fica convincente.
Minha principal crítica à HQ é o cenário/mundo pobre, com pouquíssimas referências históricas ou culturais sobre o Irã, e sem uma contextualização clara do clima de instabilidade e perseguição que o autor diz haver. Se não fosse dito, jamais saberíamos que a história se passa em Teerã e arredores. Para referências situacionais, o autor lança mão de personagens do Ocidente, como o General Custer ou filmes hollywoodianos, que ficam um tanto forçados, quando a própria riquíssima cultura persa poderia acrescentar à HQ mais erudição e espontaneidade, além de despertar no leitor o interesse de pesquisar mais sobre personagens e marcos locais pouco conhecidos no Ocidente.
Após UMI, tive a percepção de que essa tendência de graphic novel autobiográfica, com fundo político, está se esgotando. Uma tendência que teve seu auge com Maus e que deixou os livros de arte sequencial mais populares do que nunca. Nas livrarias, ocupam espaços cada vez maiores, junto à alta literatura. Não é surpresa, portanto, que o ramo de graphic novel seja amplamente utilizado como instrumento de soft power para retratar de forma caricata países não-alinhados ao Ocidente, como o Irã (Uma Metamorfose, Paraíso de Zahra, Persépolis), Iemên (O Mundo de Aisha), China (Adeus Tristeza), Cuba (Minha Revolução), Síria e Líbia (O Árabe do Futuro) e etc.
Porém, depois do acordo nuclear do Irã com o P5+1, é possível que o país suma por uns tempos do mercado, assim como foi com a febre do Afeganistão na última década. Pelos acontecimentos mais recentes, não me surpreenderei se a partir de agora começarem a surgir nas livrarias HQs sobre ucranianos ou chechenos oprimidos pela Rússia de Putin, que parece ser a bola da vez.
Por enquanto, a HQ que melhor retrata o contexto político do Irã ainda continua sendo a Operation Ajax (da Cognito Comics).