Yuri Ferreira 04/02/2022
Penas de um mesmo chapéu de um certo padre.
"Helter Skelter" é um mangá de absurdos; absurdos esses que são tão reais e antigos quanto qualquer indústria capitalista que conhecemos. A realidade de Helter Skelter é suja, tão imunda quanto o próprio Polanski ? não à toa, é citado que Lilico atuou em um filme do mesmo; e não estamos tão longe disso. Como dizia Le Guin (com outras palavras), ficção é apenas a realidade exarcebada.
Lilico é uma construção externa, fabricada pelo patriarcado com o intuito de servir o que a mídia quiser. É assustador. Não existe um momento em que Lilico se afirme como alguém, ou como si mesma. Afinal, a mesma vive entorpecida por remédios, já praticamente não possui mais partes do seu corpo real e apenas realiza o seu trabalho como pedem (ou exigem).
Difícil não fazer um paralelo com a Tomie, de Junji Ito. Porém, Tomie é consequência de um vício do autor, uma visão inegavelmente masculina sobre padrões de beleza; enquanto Lilico possui a parte crítica que falta em Ito e a Kyoko Okazaki parece compreender isso através do traço cru, ora belo, ora confuso e disforme. Lilico sofre pela pressão social de ser bonita e perfeita para os outros, Tomie reproduz essa mesma pressão sem consequências pessoais.
Tem uma parte no vídeo do Quadro em Branco sobre Helter Skelter que diz: "moda é sobre mudar e a beleza é aceitar a mudança". Lilico era o sonho de alguém, mas nunca ela mesma. Lilico nunca mudou, apenas se fabricou da maneira mais aceitável socialmente.
Ainda assim, há muito o que se discutir em Helter Skelter e Lilico tá longe de ser uma personagem unidimensional, mas muito se experiencia lendo, não escrevendo.
Mito ou lenda, Helter Skelter é marcante, tal qual as marcas que um vestido deixa sobre uma pele flácida e inelástica.