QUEM É ESSA MULHER?

“Entre o trauma silenciado e o trauma falado, há uma diferença fundamental: estar predestinado ou criar destinos. A protagonista do livro de Milena Carvalho rompe com esse silêncio ao falar sobre o encontro com uma parte de sua vida que qualquer um de nós faria tudo para esquecer.
Liane acorda no dia em que completam 25 anos em que foi violentada. Uma sucessão de eventos a põe de volta à cidade onde tudo aconteceu; ao encontro com sua irmã e seus medos. Ao deixar o lugar na tentativa de voltar para a fuga de sempre, recebe uma carta inesperada do seu antigo namorado, com quem se relacionava naquele momento, fazendo com que ela tenha que revisitar os antigos porões daquela experiência.
A história que é lembrada nos remete a uma outra viagem pelo interior do corpo da protagonista onde pensamentos e afetos não reconhecidos funcionam como não lugares, onde o tempo não passa. O trauma deixa marcas, nos modifica e só é possível conviver com ele se encontrarmos apoio numa trama verbal. Este é um dos efeitos que a autora quer produzir ao escrever sobre essa experiência que tantas mulheres como Liane viveram: tornar o trauma suportável.
Milena Carvalho não descansa os olhos do leitor com sua narrativa pulsante e com a força das imagens produzidas em sua escrita. Mostra que é possível expor a fragilidade sem quebrar-se, falar da brutalidade com beleza, sem encobrir ou ocultar o feio, o áspero, o amargo. Neste paradoxo reside a paixão com que ela escreve e que nos encanta do início ao fim do romance.
Ainda sobre a autora, cujo trabalho textual acompanho de perto, é preciso dizer que se trata de alguém que nasceu para escrever e dar vida a temas e personagens, muitas vezes invisíveis ou distantes de nossa realidade sem brilho e tão concreta. Sua escrita ágil e ao mesmo tempo poética cumpre com louvor a tarefa de transmissão e de conservação pela escrita de um capital de memória tão essencial à condição humana.”
Daniela Athuil, escritora e psicanalista.

Literatura Brasileira