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Quero viver Joseph Nichthauser

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Histórias de um ex-morto




O polonês Joseph Nichthauser é um homem calmo, de semblante sereno e voz mansa. Aos 80 anos, ele não demonstra, nem de longe, que carrega uma trajetória de sofrimento dificilmente suportável por qualquer mortal. Só mesmo quando levanta o braço esquerdo é que dá pistas do terror que viveu, a partir de 1º de setembro de 1939, data da invasão do seu país pelas tropas de Adolf Hitler. Na pele branca, ficou impresso o seu número de identificação em seis campos de trabalhos forçados e de concentração nazistas, na Alemanha e Polônia, entre eles uma filial do sanguinário Auschwitz. Com bom humor e sem fazer clima de tragédia, Joseph aponta cada um dos algarismos – 184465 – e diz que o último está desaparecendo: “Preciso mandar retocar essa tatuagem. Por que eu negaria que estive lá?”. Um dia é pouco para conhecer toda a vida de Joseph, casado há 21 anos com a mineira de Belo Horizonte Marta e morador de um bairro na Região Centro-Sul da capital. Mas, com a sua memória impressionante e fluência em português, fica mais fácil trilhar os caminhos que conduzem à infância passada sob o domínio do mal. Depois que os pais foram presos, ele, com 11, e o irmão Davi, 17, seguiram para o campo de trabalhos forçados de Sucha, na Polônia, e de Bismarkhuttle, Sakrau e Reigersfel, na Alemanha. Era o começo de um calvário que duraria até o fim da guerra e ainda conheceria o campo de concentração de Blechhammer, onde o menino judeu usou o emblemático uniforme listrado. No inverno de 1944, os prisioneiros tiveram que fazer a marcha a pé, de 130 quilômetros, durante 10 dias, até a cidade de Gross-Rosen. “No percurso, chamado de ‘marcha da morte’, as barracas não tinham teto e os presos não podiam se deitar” conta Joseph, a quem Marta chama carinhosamente de Zezé. No fim do trajeto, os judeus entravam num trem de vagões abertos em direção a Buchenwald, o primeiro campo dos nazistas na Alemanha e especialmente criado para os prisioneiros políticos alemães. A pior lembrança, no entanto, não vem dos nazistas, mas do Exército norte-americano. “Só me lembro de eles jogando, dos aviões, as bombas sobre o campo de concentração. Era o que me dava mais medo. Já fui várias vezes à Alemanha, não tenho problemas com eles”, recorda-se o polonês nascido judeu, que, há quatro anos, se converteu ao catolicismo. No dia da entrevista, recém-chegado da fisioterapia, usava uma camisa com a estampa de Nossa Senhora e o Menino Jesus. “É uma identificação religiosa que é bem antiga”, comenta. Depois da guerra, Joseph foi adotado pelo governo francês e levado para um orfanato. Estudou engenharia química na França, aprendeu um novo idioma e começou a pensar em “dar o fora dali”. Em 1955, aos 26, embarcou para o Brasil, com apenas US$ 100 na carteira, “uma cueca e um short na mala” e sem saber falar nem “bom-dia” em português. Para quem vira de perto o inferno na terra, o céu era o limite. Conseguiu emprego numa fábrica de plásticos em São Paulo e, na década de 1980, chegou a BH para trabalhar como comerciante. “Eu sou brasileiro”, afirma com vontade. As lembranças daqueles tempos estão reunidas em dois livros de sua autoria, A morte de um carrasco e Quero viver…memórias de um ex-morto, embora nada supere ficar diante de um homem que resume seis anos de um período que o mundo jamais vai esquecer. “Se as pessoas fossem mais tolerantes, a guerra não teria acontecido”, acredita Joseph.

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Simoner
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02/02/2010 19:23:51

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