Relações Internacionais

O Professor Ricardo Seitenfus, reconhecido especialista da disciplina, propõe-nos uma atualização minuciosa da problemática das Relações Internacionais. Ele nos dá as chaves para tornar inteligível «o espetáculo do mundo», e o faz numa linguagem simples, acessível, «democrática», numa palavra que reflete seu domínio do assunto. Delimita assim, com exigente rigor metodológico, um campo que cada vez menos se deixa facilmente circunscrever.
Um fio condutor estende-se ao longo das três partes desta obra estimulante: a questão do papel do Estado Nação, problema crucial nos dias de hoje. Com efeito, as relações internacionais não podem mais reduzir-se à política externa dos Estados. O mundo tornou-se menos «interestatal», a ponto de certos autores anunciarem até mesmo «o fim dos territórios», o poder na era das redes e da «global networks» se tornando independente de um espaço nacional.
Ricardo Seitenfus elenca a multiplicidade dos atores internacionais e elabora uma tipologia inteligível. O sistema internacional é, na realidade, constituído de «unidades ativas» (segundo a definição de Thierry de Montbrial), cuja potência não decorre do poder do Estado. A globalização financeira e a universalização econômica colocam grandes questões que parecem ultrapassar em muito p alcance do Estado-nação. Na era dos «bens públicos mundiais», o modelo estatal pós vestfaliano, fundado na soberania absoluta e no individualismo internacional, tornou-se caduco ou simplesmente inoperante? Ricardo Seitenfus, longe de oferecer uma solução, elenca os elementos de informação e de reflexão indispensáveis para redimensionar o papel dos Estados e avaliar sua perenidade.
Os Estados não controlam mais os mercados, são os mercados que os avaliam, os influenciam e ditam sua política por meio dos movimentos especulativos instantâneos ou das agências de avaliação exemplo emblemático do recém-chegado ator internacional, pertinentemente analisado pelo Professor Seitenfus. Os «meteorologistas financeiros» ao apreciar «o risco soberano», gozam de incomparável poder, sem dúvida, com sua capacidade de análise e de prospectiva. A profecia auto-realizada não é simplesmente uma deriva desprezível de suas atividades.
A originalidade da aventura europeia desorienta às vezes os observadores e favorece certa incompreensão, face principalmente ao pluralismo no seio da União. A diversidade das estratégias externas, e até mesmo as divisões a respeito dos grandes temas internacionais, não devem ser apreciadas sob a ótica do modelo estatal. Assim, os mais prestigiosos analistas, notadamente os que se inclinam para a «realpolitik», privilegiam essa abordagem, como H. Kissinger quando pede o «número de telefone da Europa». O quadro estatal por si só, é verdade, jamais permitiu apreender o conjunto dos atores internacionais. A famosa frase «o Vaticano, quantas divisões» é prova bastante dos limites dessa abordagem. Precisamente, o Professor Seitenfus bem revela o papel internacional das igrejas e da Igreja «católica, apostólica e romana»: o Vaticano é certamente um Estado (de 44 ha e 1.500 habitantes) e o centro de uma rede «universal» («ecumênica»), de influência espiritual, educativa e social, que, poderíamos dizer, tem se situado há séculos na vanguarda da globalização.
O exemplo da Igreja basta para mostrar que a novidade pós-estatal também pode ser muito antiga. A superação do Estado não significa, no entanto, seu desaparecimento em curto prazo, pois ao contrário, desde 1990, os Estados se multiplicaram, para não falar dos semi Estados não reconhecidos, ou das dissidências pseudo-estatais. A aspiração ao Estado Nação não é desmentida, aliás, desde o início da descolonização e se recrudesceu com a queda do império soviético. Podemos mesmo nos perguntar se não assistimos ao retorno triunfal do paradigma estatal, num mundo em que a potência hegemônica quer manter unipolar, em detrimento do multilateralismo. Prefácio Alain ROUQUIÉ

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