Romance de estréia de Christiane Tassis, Sobre a neblina (Rio de Janeiro: Língua Geral, 2006). Lúcia Campos, a narradora, é uma jornalista que sempre quis ser escritora, e é encarregada de uma tarefa bastante insólita: escrever um livro sobre um ex-namorado, Henrique, diagnosticado com um tumor que afetará sua memória. Para tanto, ela entrevista as ex-amantes de Henrique, em um procedimento que pretende se aproximar do jornalístico, mas que logo se perde nas nuances da memória e da ficção. Há algo de policialesco em certas narrativas cujos enredos partem de investigações sobre o passado de um personagem. Composta por fragmentos de impressões, memórias mais ou menos vagas e documentos mais ou menos confiáveis, o resultado desse tipo de investigação tende para o mosaico, para o quadro incompleto sempre maior do que a soma de suas partes. Em Sobre a neblina, a narradora sabiamente renega o papel de detetive: “este é um caso onde não se encontrará nenhum crime, nenhum culpado, e sobre ele não se aplicará nenhuma lei. Talvez por isso eu esteja implicada nele”. De fato. É muito interessante a idéia de uma memória acumulada em um livro, um objeto material alheio ao dono das memórias, e com as quais o sujeito não se identifica. E terrível é saber que, se o recorte da escritora-biógrafa pode parecer equivocado ao biografado, é porque talvez não haja mesmo uma maneira certa de fazer isso: o passado não se deixa reconstituir linearmente. O que resta é um absurdo e aleatório acúmulo de informações. Como qualquer lista.