Totens

Totens Sergio Medeiros


Compartilhe


Totens





Uma das coisas que sempre me chamaram a atenção no trabalho de Sérgio Medeiros é o seu quase absoluto desinteresse por uma paisagem humana, por uma paisagem composta apenas pelo homem. Basta ver qualquer um de seus livros de poemas-anotados-como-ficção ou qualquer um de seus ensaios. Um dia, distraidamente, perguntei a ele sobre essa questão. Respondeu rápido que ainda não havia pensado muito bem sobre isso, mas que fazia sentido o meu comentário. Depois, elaborou ainda duas ou três anotações de conversa e demos por encerrado o assunto. Agora, este "Totens" reúne dois de seus trabalhos mais recentes, ainda inéditos, Enrique Flor e Os eleto esquis. E totem como uma intimidade às avessas, extra-humana e exposta [ainda que proibida]. Tudo a ver com aquela conversa.
O primeiro, personagem desdobrado ao infinito da música [estamos diante de um livro que não termina, não tem fim, mas que continua], que vem de um Portugal famigerado, mas retirado antes e depois do Ulisses de James Joyce, como um “organista compositor nos Trópicos”, me parece ser o abismo construído por ele para adentrar essa paisagem devastada, a dos homens, sem perder de vista, principalmente, um nó problemático que pode ser lido em todo o seu trabalho: o sex appeal vegetal. São anotações que armam um pequeno tratado ao contrário sobre o casamento do homem e da arte com a mudez da natureza; é também uma tentativa de tocar mais de perto a alma da mata virgem tropical numa espécie de etnografia torta. Enrique Flor faz parte dessa insuficiência civilizada que, ao chegar aos trópicos, tira a roupa e se refestela com a linha livre de ser quase árvore, quase animal, quase um diabo, quase nada e quase tudo ao mesmo tempo.
O segundo, composto de uma coletividade, os eleto esquis, que são uma espécie de pequenos seres encardidos de mundo, muito preocupados em ver e dar notícia do que veem, metidos numa simbiose de vida sazonal com o homem. Esses pequenos seres são, de fato, o bafo quente do verão de um Brasil central que arde e provoca um sem número de miragens: não se sabe onde começam os eleto esquis nem onde terminam os homens e vice-versa, exatamente como o BAFO. E aí a cartografia lendária e ficcional desses seres desfaz qualquer ideia de percurso para tocar o profundo de um país que não se vê; logo, que não se lê; o que interessa é tocar as zonas de superfície onde se desnudam toda moral e todo tabu.
Por essas e outras é que esses dois livros de Sérgio Medeiros, agora reunidos sob este elo de adoção – "Totens" –, não são uma visão nem uma reiteração da natureza, nem poema, nem narrativa, mas outra coisa, algo como uma interdição de palavra e silêncio nessa paisagem devastada de todos nós, algo como um canto de pássaro na música de Olivier Messiaen, um de seus compositores favoritos. O outro é John Cage.

Edições (1)

ver mais
Totens

Similares


Estatísticas

Desejam
Informações não disponíveis
Trocam1
Avaliações 0 / 0
5
ranking 0
0%
4
ranking 0
0%
3
ranking 0
0%
2
ranking 0
0%
1
ranking 0
0%

50%

50%

Colorado
cadastrou em:
14/03/2014 13:52:44

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR