"Quando li seu grande romance, Nirvana, suspeitei que o autor, ao contrário do que dizia a orelha do livro, arranjara uma desculpa (o tema da morte), para escrever sobre a literatura. Tempos depois, Marcelo Nunes repartiu comigo os contos deste Travessia Marítima. O primeiro deles, “O Violoncelo”, é, bom, sobre um violoncelo, mas, também, sobre literatura. Outro, “A mosca de Wittgenstein”, é sobre Heidegger, o nazismo e, que surpresa!, literatura. O protagonista de Nirvana, dizia a orelha do romance, buscava “nos filósofos as respostas para as perguntas mais fundamentais”. Mentira... Não há pergunta fundamental. Há histórias fundamentais; e estas são literatura. Marcelo Nunes percebeu, e os magníficos contos de Travessia Marítima o confirmam, que a vida é uma desculpa para que falemos de livros. Absolutamente tudo é sobre literatura, exceto a literatura, que é sobre a vida. A miséria humana, como a desolação do homem que perdeu a mulher no assombroso (e inesperado) conto “Simetria”, é um pretexto para que Marcelo Nunes, com maestria, imite a vida, digo a arte. Os contos de Travessia Marítima, de uma técnica invejável, poderiam ter sido escritos (se é que não o foram, para evocar, mais ou menos, o pesadelo de um dos seus personagens) por um búlgaro ou por um chinês. Uma charada: que têm em comum um búlgaro, um chinês e um brasileiro? Resposta: a aventura. Que é uma escusa, sabem Marcelo Nunes, Roberto Bolaño ou Vila-Matas, para fazer literatura. Se, como quer Ítalo Calvino, quem comanda a narração não é a voz, mas o ouvido, esta orelha, a minha, que é, também, a de vocês, pede por mais, mais histórias, mais Marcelo Nunes."
- Caléu Moraes
Contos / Literatura Brasileira