Tristão & Iseu

Tristão & Iseu Joseph Bédier


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Tristão & Iseu





Eis que, após mais de quarenta anos de lançada sua tradução no Brasil, vem à tona uma nova edição de Tristão e Iseu, de Joseph Bédier, de cuja versão Afrânio Peixoto tanto se orgulhava, e com razão, ao dizer: "Fiz o melhor que pude. Verti fielmente".
Impressiona, de fato, o passar incólume de uma obra como a de Bédier — sobretudo pelo que ela representa para o espírito ocidental, como tão judiciosamente acentua Denis de Rougemont — no seu trajeto pela cultura brasileira. Uma estória de amor que (e bastaria esta característica) traz a eternidade no seu rastro, pontilhada de momentos históricos, possivelmente lendários, mas já incorporados ao patrimônio da humanidade: que poderia a estória de Tristão e Iseu despertar na inteligência e no sentimento brasileiros? Não nos pertencerá ela, por acaso, como pertence aos países europeus e suas projeções de além-mar? Ou poderemos nós, pobres de inventividade, mas não incapazes dela, desprezar motivos perenes como fontes de inspiração? Mas quem sabe não despertará, hoje, este ressurgimento do trabalho de Afrânio, algum autor nosso que se disponha a contribuir, em nome do Brasil, para esta grande e insaciável vertente da literatura universal, abalançando-se a escrever a sua estória de Tristão e Iseu, repleta que é ela de história, estórias, aventuras e amores que se projetam, sem limitações, no tempo e no espaço?...
Joseph Bédier nos deu Tristão e Iseu em 1908 (traduzido por Afrânio em 1934), e em 1941 André Mary no-la "restitui", com o seu Tristan, "la merveilleuse histoire de Tristan e Iseu". Entre os dois surge a obra polêmica, mas fundamental, de Denis de Rougemont, L'Amour et l'Occident (1939). E há pouco, 1972, não obstante envolta na moda passageira do estruturalismo, inclusive trazendo toda uma geometria cabalística para explicar um amor eterno e sem fronteiras, a tese de Françoise Barteau, les romans de Tristan et Iseu...
Enquanto isto, dos Estados Unidos nos vem The Once and Future King, de T. H. White, hoje um clássico do ciclo arturiano, e, mais em nossos dias, Excalibur, de S. A. Laubenthal, sem falar n'A Gruta de Cristal, de Mary Stewart ou em The Emperor Arthur, de Godfrey Turton...
Alienação? De forma alguma. A verdade é que, nas palavras de A. Pauphilet (Les legs du Moyen Age), "... le détour du pessimisme moderne nous ramenait tout de même au Moyen Age. Il offrait à nos crédulités le plaisir trouble de reconnaître dans un trés vieux récit nos plus intimes velléités, et dans l'engouement nostalgique qui porta bon nombre d'entre nous vers le Moyen Age, il y avait quelque désir de nous retrouver nous-êmes"...
Este reencontro, no século XIX, nos veiu, na música, com Wagner e Tristão e Isolda. E em nossos dias ele se processo através de Rick Wakeman, com o seu extraordinário O rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda: a alma do homem é vivificada, sempre, com ritmos próprios de cada época, e sempre permanentes, traduzindo a presença eterna das lutas de amor e de morte.
E por incrível que pareça, o cinema ainda não descobriu Tristão e Iseu! Quem sabe algum cineasta brasileiro não o fará, mas sem proceder como J. Losey que, com o seu Camelot, quase jogou às urtigas a obra de T. H. White, devendo proceder, porém, com o mínimo de dignidade de um Richard Lester, com o seu Robin e Marian. E sem fazer piada, à maneira de Monty Python...
O fazer do homem, que constitui a sua história, é coisa séria e prescinde de deturpação gozadora. A lenda do Graal é dos momentos culminantes no aperfeiçoamento do espírito humano. Como a lição de Artur e seus cavaleiros, ou como a dos doze pares de Carlos Magno. Ou como o amor de Tristão e Iseu: "Estas são forças vivas (estamos colocando no plural a afirmação de Jessie L. Weston, ao se referir ao Graal, no seu From Ritual to Romance), que jamais desaparecem. Elas podem às vezes sair do campo de visão e mesmo, até durante séculos, desaparecer da literatura, mas retornam à superfície e se tornam novamente um tema de inspiração vital". Veja-se, a este respeito, a obra de Suassuna ou Xavier Marques.
O nosso tempo tem mais uma afirmação criação que os outros não possuiram: a estória em quadrinhos. Harold Foster, através de quase mil e oitocentos capítulos de magestosos desenhos, é o grande responsável pela presença da Idade Média na vida de milhões de seres humanos que acompanharam, apaixonadamente, a epopéia do Príncipe Valente, sua grande e imorredoura criação. Iseu, porém, aí jamais aparece, embora Tristão, ao lado de Artur, Gawain, Lancelot, Merlin, esteja sempre presente nas grandes aventuras que caracterizam a "saga da Espada Cantante".
Tanto isto, prezado leitor, apenas para mostrar que a razão de ser (o amor) de Tristão e Iseu permanece, como elemento insubstituível e fundamental, para a sobrevivência de nossa civilização, amarfanhada pelo materialismo. E para provar também que a inteligência brasileira, tal como Afrânio Peixoto, nela pode mergulhar como fonte inesgotável, pois que ela a todos nos envolve, de todas as maneiras e por todos os meios.
São Paulo, outubro de 1976
GUMERCINDO R. DOREA

Romance

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Ciências e Letras Nº 42

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