Zooliteratura

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A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo




É pelas estreitas frestas do pensamento moderno que se abrem perspectivas a um pensamento não antropocêntrico, prenhe de possibilidades de conceber, compreender e habitar o mundo. Por estas veredas há um profícuo debate sobre o que se tem chamado “virada animal e vegetal” na literatura. Muito embora haja contornos de novidade, sobretudo em tal formulação, no campo da literatura ficcional escritores como Machado de Assis e Graciliano Ramos produziram parte de suas literaturas com este acento não antropocêntrico. Contudo, esta edição debate o tema a partir dos desafios que o Antropoceno traz à vida na contemporaneidade.
Maria Esther Maciel, escritora e professora de Teoria da Literatura e Literatura Comparada da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, faz uma genealogia dos estudos de zooliteratura no Brasil. “Hoje, felizmente, os estudos de zooliteratura estão em grande evidência nos meios acadêmicos e editoriais, entrelaçados a discussões mais amplas sobre biopolítica e ecologia”, frisa.
Faustino Teixeira, professor convidado da Universidade Federal de Juiz de Fora, no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião, observa como essa virada animal e vegetal têm contribuído para alargar os entendimentos sobre si e toda a teia de vida que nos circunda. “Temos muito o que aprender nessa estratégia biológica de artimanha e colaboração. As redes micorrízicas estão aí a contribuir para o desafio da coexistência no mundo”, aponta.
Rita Carelli, atriz e diretora formada pela Escola Internacional de Teatro Jacques Lecoq, em Paris, reposiciona o debate em torno da condição humana a partir de seu contato com povos indígenas e suas cosmologias. “Há, nas diferentes nações indígenas, essa percepção que nos falta de estarem inseridas em um organismo maior e muito mais sábio do que nós em que tudo está interligado e é codependente”, descreve.
Eduardo Jorge de Oliveira, professor de Literatura Brasileira, Cultura e Mídia no Seminário de Romanística da Universidade de Zurique, na Suíça, observa como a literatura e as artes têm promovido exercícios constantes para virar o humano do avesso e descentralizar suas percepções sobre a vida na Terra. “Transformar um olhar antropocêntrico sobre o mundo tem sido um exercício constante da literatura e das artes para não deixar que determinados sentidos se cristalizem, a saber, o humano não é o centro do mundo como se pensou no Renascimento”, pontua.
Nádia Battella Gotlib, livre-docente pela Universidade de São Paulo – USP e professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da mesma universidade, aborda a literatura de Clarice Lispector e, dentre outras questões, pontua passagens que são próximas à zooliteratura. “Os bichos vivem apenas. Sem outras demandas além das consideradas básicas. E Clarice reconhece esse modo peculiar de levar a vida e parece querer atingir esse estágio de pureza existencial, caracterizada ao mesmo tempo por certa percepção sensível a valores de amizade e fidelidade”, observa.
Evando Nascimento é professor, ensaísta e escritor. Também é professor aposentado de Teoria da literatura na Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, e diz que “uma visão tacanha da existência nos acostumou a colocar cada reino e cada espécie dentro de escaninhos separados e antagônicos” e isso precisa ver revisto pela própria sobrevivência humana.
A edição é complementada com uma série de publicações do Cadernos IHU ideias e Cadernos Teologia Pública publicados em 2022. São eles A indecente hermenêutica bíblica de Clarice Lispector, de João Melo e Silva Junior; Juventudes e as “novas” expressões da participação na política, de Flávio Munhoz Sofiati; O grito de abandono de Jesus na cruz e o silêncio de Deus: reflexões à luz do Evangelho de Marcos, de Junior Vasconcelos do Amaral; A virosfera: aprendendo a viver com o desconhecido, de Eben Kirksey; Grupo Emaús. 48 anos de resistência e fé libertadora, de Frei Betto, Ivo Lesbaupin, Leonardo Boff, Luiz Alberto Gómez de Souza (in memorian), Pedro A. Ribeiro de Oliveira, Frei Carlos Mesters e Julio de Santa Ana, com organização de Edward Guimarães, Lúcia Ribeiro e Tereza Pompéia; O Antropoceno e as ruínas da democracia: a condição humana como monstruosidade, de Adriano Messias.

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