O excêntrico cantor carioca Rogerio Skylab, um dos artistas mais consagrados no meio musical underground brasileiro, enfim realizou seu antigo desejo de lançar um livro que reunisse seus poemas. E os fãs do humor negro de Skylab agradecem. Debaixo das rodas de um automóvel, lançado pela editora Rocco, é o que se pode chamar de um livro de sonetos contemplativos. Na obra, o autor reflete sobre fatos cotidianos, com a sua característica postura nada politicamente correta.
Para se compreender Debaixo das rodas de um automóvel de forma plena, é necessário ler os sonetos na seqüência pré-estabelecida pelo autor. O narrador flana por diversos ambientes, como a sua casa, a casa do vizinho, o escritório onde trabalha, a rua, o shopping center. Em cada um desses lugares, ele faz sua viagem contemplativa acerca de elementos ora banais – goteiras, janelas, vitrines –, ora banalizados – balas perdidas, doenças, genocídio cultural.
Skylab não é, de forma alguma, apenas um passante. Skylab é, acima de tudo, um inquieto. O dia-a-dia vira incômodo, pedra no sapato, dor de dente. O tédio consome o narrador de forma tão aguda que se torna um personagem da obra. E esse personagem é, por vezes, responsável pelo olhar “petrificado” do narrador em relação à vida. O mau humor e a ironia invadem até os temas mais delicados, como um atropelamento na rua da cidade grande ou a prostituição de travestis.
Há também um momento metalingüístico no livro. O próprio autor constata que poesia é uma arte desvalorizada e começa a divagar sobre a condição de poeta que não pode sobreviver financeiramente apenas da sua obra. Enquanto o leitor espera pelo próximo soneto, o narrador tenta convencê-lo da falta de importância da poesia no mundo contemporâneo, onde tudo é apelo visual. Skylab brinca até com a expressão “poema para gaveta”, dedicando algumas “mal-traçadas linhas” para aquele compartimento da cômoda que costuma guardar objetos muitas vezes inúteis.
Debaixo das rodas de um automóvel, apesar de todo o tédio, não é um livro conformado. É um livro feito de poemas que incomodam justamente por ferir a moral e os bons costumes. Uma obra sobre o movimento da mente perturbada – e perturbadora – de Skylab enquanto este “desfruta” um domingo ou um feriado ou foge durante uns poucos minutos do trabalho para escrever.