Dhewyd 18/01/2022
A Treva Branca
“Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”.
Através do trecho acima, retirado da obra de Saramago, já podemos compreender a complexidade do livro, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998. Confesso que no começo não é um livro de fácil leitura, considerando que o texto não usa recursos típicos do discurso direto, como estava habituado, não se utiliza de parágrafos, travessão e muito menos de aspas, mas sim é um discurso fluído e contínuo.
Nos é apresentado uma distopia, que no contexto atual, posto que vivemos em tempos pandêmicos, soa verossímil. As pessoas de uma hora para outra começam a ficarem cegas, sem nenhuma explicação aparente, a visão delas é embaçada totalmente por uma treva branca, como se tivessem banhados por um mar de leite.
Os personagens da obra, não possuem nomes, eles são identificados por suas características, como por exemplo, um menino estrábico, o primeiro cego, a mulher do médico. Fato este que alegoricamente mostra que todos se encontram em posição de igualdade, e que todos estão cegos, sem distinção.
E a partir do momento que as primeiras pessoas vão cegando, o governo as retira do convívio social e as colocam em quarentena, em instalações previamente definidas, como escolas, sanatórios e etc.
Nestas quarentenas, se começa a degradação do ser humano, a privação da visão, o confinamento, a falta de comida para todos, terem que aprender a dividir e se organizarem os fazem perder toda a dignidade, a ponto de travarem lutas entre cegos, estupros coletivos e diversas barbáries, e a constante procura pelo poder, nessa nova sociedade a ser construída.
Com o passar do tempos, quase todas as pessoas ficam cegas, e nos é mostrado através da intensidade e do sofrimento, as reações das pessoas nessa nova era, a incapacidade, a falta de empatia, a devastação da moral o desprezo e o abandono, a luta por uma simples lata de alimentos e as condições análogas a animais.
Utilizando-se palavras do próprio autor, podemos ter a noção de quão angustiante e pesado é a obra: “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.”
Fui fisgado pela estória, a cada página me sentia mais angustiado e perturbado, esperando ansiosamente o desenrolar e o que aconteceria com os personagens principais. Não atoa este é um dos livros mais famosos de Saramago e que vale com certeza a leitura.