Steph.Mostav 27/06/2021O deus que contém em si mesmo O OutroQue peça intensa! Ainda que até agora Sófocles seja meu preferido, as tragédias de Eurípides são dotadas de uma força dramática impossível de ignorar. As Bacantes trata de outra vingança, desta vez de um deus, Dioniso, pelos homens negarem sua natureza divina. O principal alvo é Penteu, atual rei de Tebas, que chega a mandar prendê-lo (o que, como esperado, revela-se inútil, já que Dioniso escapa com facilidade). Mais interessante que o enredo é o conflito entre a racionalidade e descrença de Penteu e o frenesi religioso das Bacantes que ele quer capturar e encerrar dentro de seu mundo de lógica e senso comum. Nesse sentido, Dioniso representa essa contradição, pois não só confunde os outros com relação à sua verdadeira identidade, como também é “o revelador do mundo da loucura que existe na realidade das coisas.” Além disso, a peça também pode ser lida como uma representação lúdica que mimetiza a própria arte, pois Dioniso confunde Penteu com a linguagem poética, que ele não compreende pois menospreza esses jogos linguísticos. Assim como a poesia e o teatro, Dioniso mimetiza o aparente e reinventa-o de outra forma, tanto que consegue se manifestar como humano sem o distanciamento com que os outros deuses fazem o mesmo. Nesse sentido, a coerência de Dioniso está nessa diversidade do próprio teatro, que em vez de excluir o contraditório, faz nascer sua tensão desse encontro e sobreposição dos opostos.
“Em suas afinidades dionisíacas, o espírito do poeta possui tanto capacidade para imaginar ordem como para representar desordem; mas a criação e a verdadeira existência do trabalho acabado validam a ordem, sobrepõem a coesão à dispersão. As forças dionisíacas aglutinadas e canalizadas para a obra de arte, diferentemente das despendidas no Citero, são sempre a vitória do deus gentil sobre o terrível, embora, como Rilke diz, a beleza seja também o princípio do terrível.”