Arca Literária 10/06/2014
Rota 66
A história da polícia que mata, foi lançado em 1992, e reúne vários anos de trabalho e pesquisa jornalística. O livro não é baseado em uma única história. E sim, em várias. O “Rota” do título vem do pelotão de elite da Polícia Militar de São Paulo, a Rota: Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar. O grupo, criado durante a Ditadura Militar, tem a função de combater o crime e de ser exemplo para a PM. Rota 66 é um livro já consagrado pelo público e pela crítica, onde o autor desmonta a intricada rede que forma o esquadrão da morte oficial montado em São Paulo.
Resultado de uma investigação meticulosa e audaciosa, a obra foi escrita por Caco Barcelos, que é correspondente internacional da Rede Globo e considerado um dos jornalistas de maior prestígio dentro da emissora, pela audiência conseguida por suas reportagens. Durante as décadas de 1970 e 1980, Caco investiga assassinatos e abusos cometidos pela polícia. Trabalhando como repórter freelancer, passou madrugadas seguindo viaturas, indo a velórios e acreditem, dias e dias no IML conferindo documentação dos criminosos que a Rota matava, sendo que ninguém mais da imprensa dava importância a esses assuntos.
O livro trata do assassinato de um grupo de jovens de classe média de São Paulo por uma ação de uma unidade da Rota. É a partir deste ponto que o fato se torna o elo entre tantos outros assassinatos sem explicação realizados pela polícia militar.
A história se resume em três partes. Na primeira Barcellos conta o caso da Rota 66 que matou três jovens de classe alta em São Paulo, na década de 80. A imprensa deu grande destaque ao caso na época. Os policiais que mataram esses garotos acharam que eles eram ladrões e que haviam roubado o fusca no qual estavam. Os policiais militares foram ao tribunal, porém julgados inocentes.
Ao longo do livro, ainda há o relato de várias pessoas mortas pelos mesmos policiais. Barcellos vai intercalando a história do caso Rota 66 com a sua história, mostrando o que ele viveu na juventude e comparando a sua vida com a de outros que passaram pelo mesmo apuro. Fugindo de polícia sem motivo. A segunda parte é dividida em sete capítulos. Em quase todos há o mesmo fim. A polícia que persegue o “bandido”, mata e depois o leva ao hospital para “prestar ajuda”, com o propósito de evitar a investigação na cena do crime. Na terceira parte, também dividida em sete capítulos, percebemos que os policiais matam qualquer um. Um exemplo é o assassinato de Pixote, morto debaixo de uma cama, encolhido no canto.
O autor do livro tinha o seu próprio banco de dados, criado com a ajuda de um amigo. Todas as mortes causadas pelos policiais nos supostos tiroteios eram catalogadas. No inicio um sistema de catalogação bem precário, constituído por observações a hospitais, e a idas ao "IML". Esse foi o resultado de um banco de dados que o jornalista conseguiu organizar durante anos de pesquisas feitas nos jornais que publicavam as notícias das mortes em tiroteios, no necrotério e entrevistas. O Jornal Notícias Populares que noticiava os supostos tiroteios e apoiava a ação dos PMs, foi uma das fontes de pesquisa do autor.
A Rota era composta por um exército de matadores, que não prendiam. Espancavam e matavam os suspeitos em supostos tiroteios, sendo que, na maioria das vezes as vítimas estavam desarmadas e sem nenhuma chance de se defender. Após executarem as vítimas, ao invés de levarem os corpos para o (IML) Instituto Médico Legal, os corpos eram levados para o hospital, os PMs tinha o intuito de fingir prestar socorro aos cadáveres. O local do crime era alterado para dificultar o trabalho da perícia. Algo revoltante são os fatos dos inquéritos serem redigidos á partir da declaração dos PMs matadores, sem levar em conta os relatos das testemunhas. A população de baixa renda era o alvo principal dos matadores da PM.
O livro já no primeiro parágrafo prende o leitor de tal maneira que o faz viajar e aprofundar-se em cada palavra lida na cruel história da polícia, dos bandidos e dos inocentes. Ao começar escrever o livro, Caco barcellos tinha o objetivo de denunciar os matadores oficiais contra os civis envolvidos em crimes na cidade, mas o balanço final da investigação, em junho de 92, acabou surpreendendo a si mesmo. O autor conseguiu traçar um perfil criterioso das vítimas e dos assassinos, assim ele descobriu que os criminosos não representavam a maioria entre as pessoas mortas pelos policiais militares de São Paulo. O jornalista identificou pelo menos, quatro mil e duzentas das 12 mil vítimas da PM entre 1970 e 1992. Os números são espantosos, podendo ser comparados aos de uma guerra. Desse total, 65% eram pessoas inocentes. Gente que nunca havia praticado um crime.
Publicado em 1992, o livro Rota 66 já foi editado 37 vezes, sendo a última em 2002. Não tem como descrever a sensação experimentada ao terminar de ler a obra. É como se faltassem páginas. Como se todo aquele revoltante esquadrão da morte ainda estivesse ativo. E, de fato está. Tenho a impressão que faltam mais pessoas como Caco Barcellos para mostrar as histórias das atuais vítimas. E saber que essas atrocidades ainda continuam a acontecer bem debaixo de nossos narizes, me deixa revoltada, e cada vez mais apaixonada pelo jornalismo investigativo.
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Resenha de Lidy Lira, resenhista do Arca Literária
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