spoiler visualizarares 01/01/2024
Lolita foi, com certeza, um dos livros mais geniais (e perturbadores) que eu já li; Nele, entramos na mente de um pedófilo e vemos por seus olhos uma menina de 12 anos, por quem é "apaixonado".
A grande jogada começa aqui: Humbert não é um narrador confiável, revelando-se cínico muitas vezes acerca de seus atos, mas ao mesmo tempo consciente de seus crimes ? acho interessante comentar que, no final do livro, Humbert diz que se estivesse no lugar do juíz que estava julgando seu caso, se daria 35 anos de pena por estupro, desconsiderando seus outros crimes.
Em muitos momentos do livro ele admite sua pedofilia; porém, sendo o narrador do livro, se coloca como vítima. O papel do leitor nesse livro é ser seu juiz, porém, assim como faz com Lolita, Humbert manipula a garota E o leitor a acreditarem que a culpa seria toda de dolly, por ""seduzir-o"". Muito da romantização por parte dos leitores e das críticas à suposta romantização da situação pelo autor vem disso.
Ao ler Lolita, é preciso se lembrar, o tempo todo, de que é um pedófilo quem narra o livro; um homem narcisista, astuto, cínico e imoral. Não se pode esperar que um pedófilo tenha uma visão pura sobre uma garotinha. O "propósito" do livro (se é que há um), na minha visão, é mostrar o quão depravada e doente é a mente de um pedófilo.
Muitas vezes ao longo do livro, eu mesmo me vi enganado por seus "gaslightings". Humbert, em um momento, se escreve como um pai bondoso, disposto a dar uma "infância feliz" a dolly por meio de presentes e passeios, devotado a preservar a pureza e a castidade da filha; para no momento seguinte admitir seu desejo doentio por Lolita e os abusos que comete, e reconhecer como a relação dos dois prejudica o psicológico de dolly (algo notado até por terceiros).
Algo que eu achei genial sobre o livro é como Lolita é escrita. Humbert a desumaniza durante toda a narrativa, ignorando seus sentimentos e só os reconhecendo quando convém para sua própria vitimização, negando a ela seu nome (raramente Dolores é chamada pelo nome, mas quase sempre por Lolita, um apelido infantilizado e de caráter provocativo e sedutor) e, como o próprio admite, vendo-a quase sempre mais como uma fantasia de sua mente do que como uma pessoa de carne e osso.
Apesar disso, achei genial o fato de que, por meio de brechas, Nabokov expõe que a própria dolly sabe sobre o caráter da relação entre eles. Ela sabe sobre o "incesto", sobre não ser sexo mas sim violação, sobre como uma relação de pai e filha deveria ser e como a deles não é. Isso, pra mim, é o jeito de Nabokov de fazer com que o leitor se desprenda um pouco das artimanhas de Humbert e enxergue a relação como o que realmente é.
Apesar de o livro ser um pouco difícil de ler, por conta do tema sensível, a escrita de Nabokov é linda e envolvente; o autor brinca com as palavras e usa a própria escrita como "arma" de Humbert para mascarar seus absurdos. Mesmo sendo um livro muito perturbador, eu gostei muito dele e o achei uma leitura incrível para quem se interessar pelo tema.