Ramon.Amorim 04/09/2022
"Nenhum lugar é para sempre"
Quando alguém publica um romance baseado sobretudo em reminiscências da adolescência, corre um risco enorme de produzir uma literatura piegas, sem provocar nenhum efeito relevante em quem o ler. Não é o caso desse livro da autora Aline Valek. Sua protagonista, a fotógrafa Kênia, retorna à cidade onde viveu as primeiras experiências puras da vida, quando a magia ainda não está desbotada pelo realismo que, a partir de uma certa fase da existência, atropela à sua frente tudo o que há de sublime. A pequena cidade no centro-oeste ficara submersa por anos, agora alguns dos seus antigos moradores estão retornando e o lugar virou atrativo turístico. Kênia chega com um amigo argentino para juntos produzirem um documentário.
O ponto crucial desse retorno à cidade é o momento em que Kênia reencontra sua antiga professora de história, Érica Xavante, que deixa com a ex-aluna uma redação escrita por Tainara, de quem Kênia foi, por algum tempo, melhor amiga. A partir de então, somos tragados mais fortemente pelas recordações e é como resultado delas que, de certo modo, vamos também nos tornando parte desse jogo que, além de nostálgico, revela um aspecto universal, o elo que nos une em semelhantes memórias afetivas.
Nada ou quase nada está faltando nesses registros. Os tipos de personalidade que você encontra no colégio de Tainara e Kênia são universais; não é difícil que cada leitor vá percebendo em si, com diferenças meramente incrementais, os mesmos desejos, esperanças, aflições, coragens, tristezas e decepções que as meninas encontram na cidadezinha. E digo incrementais porque é muito provável que o sentimento que encontramos no livro nos afete de modo semelhante, a despeito de nossas experiências serem marcadas por cenas diferentes. Importa aqui a formação das emoções, numa fase em que construímos nossas forças e reconhecemos - ou ao menos sentimos - nossas fraquezas.
Há muita beleza e profundidade evocadas nas páginas desse livro. No meu caso, esse romance reavivou memórias sobre lugares e pessoas de uma forma generosa e delicada e sua leitura não poderia ser mais recompensadora do que isso.