Yuri Ferreira 29/03/2021
O início obsessivo.
Do pouco que já li de Junji Ito, posso dizer que ele tem seus vícios e manias. O que acaba dando mais elementos interessantes e características únicas para os seus mangás; desde os relacionamentos disfuncionais entre personagens, até à naturalidade em que o medonho e o bizarro são encarados.
Mas, em "Tomie", vemos o nascer do que seria o Ito, mangaká e mestre do horror, e o início das suas obsessões; dos vícios de linguagem e narrativa e da talvez maior obsessão de sua carreira: Tomie.
Tomie é mais do que uma entidade, ou mal absoluto, é o afunilamento das obsessões e temas que Ito resolve tratar, o que nem sempre pode ser bom, ainda mais nesse início de carreira. Vemos aqui um Junji Ito jovem com ideias interessantes e prematuras, uma execução ok, que vai melhorando com o tempo de forma exponencial, mas, ainda assim, um artista um pouco cru. Por tratar de assuntos como a figura feminina numa sociedade machista, a idealização da beleza e o próprio machismo em si dos homens em relação à Tomie, é esperado uma abordagem crítica do autor, mas não é o que acontece; ou talvez não é o que o mangaká quis propor.
O desejo é violento, isso é um ponto interessante e até um tanto controverso no mangá de Ito. A obsessão e o desejo dos homens pela Tomie, um ser que representa uma beleza inimaginável e ideal, leva à violência. O que não deixa de ser verdade fora do mangá, em situações cotidianas também. A forma como os homens se relacionam é baseada no desejo, na tentativa de posse, gerando relacionamentos tóxicos e abusivos, que acabam tendendo à diversos tipos de violência. A questão é que Junji Ito não deixa claro se está fazendo esse tipo de crítica ao comportamento dos homens, ou se está apenas reforçando tais estereótipos.
Não há uma distinção entre os pontos lendo apenas esse mangá. Até que ponto Tomie é uma representação crítica do que há de ruim na sociedade (como o culto à estética, a objetificação da mulher, a busca pelo ideal, etc.) ou só um recurso estilístico, mantendo o status quo, sem criticar nada?
Se faltou profundidade crítica e política em "Tomie" (afinal, toda arte é política), Junji Ito compensa com a criatividade em retratar o horror, principalmente no desdobramento do que é possível e impossível com a figura da Tomie. Aqui é possível ver alguém tentando inovar na área dos mangás de horror (e conseguindo, de certa forma).
É nesse primeiro volume de "Tomie" que Junji Ito estabelece o chão para a criação do que viria a ser o seu estilo, assim como esse quase ser mitológico que assombra a eternidade.