hadascm 24/04/2024
"fazia tempo d+ q eu corria atrás de algo q smp me escapava"
Não consigo pôr em palavras o quão pungente essas HQs foram para mim. Com poucas cores e sem romantizar ou distorcer a figura do Refugiado, Fabien Toulmé veicula com responsabilidade os relatos que lhe foram confidenciados por Hakim (pseudônimo), incutindo no leitor as emoções e a intensidade dos périplos vivenciados por ele, cada angústia e cada medo intensificados pelo peso do filho que ele carregava consigo. É assustador pensar que há tantos outros cujas histórias, que são, nas palavras de Hakim*, "(...) diferentes mas, ao mesmo tempo, tão semelhantes em desespero, desgraça e miséria", nunca serão contadas. É igualmente angustiante saber que a maioria das pessoas que conseguem, de fato, fugir de seus países em momentos de desgraça são as que, como pontuado por Hakim, já eram consideravelmente privilegiadas em seus países natais, e que, portanto, os mais desamparados pela guerra e pela pobreza sequer têm as condições de arcar com todo o "business do desespero".
Achei genial a escolha do autor pelo uso da metalinguagem, ocasionalmente mostrando momentos da "entrevista" com Hakim*, porque deixou dolorosamente claro que a labuta de Hakim* e de sua família como imigrantes não findou ao chegarem na França; pelo contrário, eu tive a impressão de que ele estava revivendo seus dias na Turquia, no Líbano e na Jordânia.
Eu terminei esse livro há alguns dias, e ainda penso em Hakim e sua família ? tanto os que estão tentando construir uma vida na França, quanto os que ficaram na Síria ? todos os dias. Se eu fosse professora ou, sei lá, se eu trabalhasse na área da educação, eu tornaria essa leitura obrigatória. É preciso humanizar essas pessoas, que, como o autor comentou no início da primeira HQ, e que eu mesma já havia reparado antes, são constantemente desumanizadas pelo modo apático como a mídia trata os casos de quem morre atravessando o mar, tentando fugir da desgraça em seus países natais, e a questão imigratória em geral; é tão desproporcional à real gravidade da situação, que tornou muita gente indiferente a dor desses imigrantes. São pessoas que, assim como Hakim* ? que havia acabado de comprar e reformar o apartamento que planejava morar quando se casasse, e só queria continuar cuidando das plantas de seu viveiro ? também tinham sonhos e ambições e vidas inteiras que deixaram para trás. Pessoas que, ao contrário do imaginário popular, não escolhem países Europeus para roubar empregos (até porque dificilmente os conseguem, como testemunhado por Hakim*) e viver um "European Dream", e sim porque, além de serem geograficamente mais próximos aos locais de conflito, têm as """"melhores"""" condições para um imigrante, apesar da copiosa discriminação. É absurdo pensar que alguém ? especialmente, como já mencionado, alguém que costumava viver uma vida confortável e cheia de privilégios ? escolheria pôr a sua própria vida e a dos que ama em perigo, para morar algures que será tratado com hostilidade, dificilmente encontrará um emprego fixo, cujas nuances culturais desconhece e cuja língua sequer fala, se tivesse outra opção.
Enfim, foi uma trilogia que me marcou demais e que recomendo pra literalmente todo mundo.