Rafael 13/02/2022
?Quilombo somos nós?
Organizada pelo antropólogo Alex Ratts, a coletânea de escritos em questão (1974-1994) prestigia o amplo pensamento de Beatriz Nascimento, uma das principais intelectuais negras do século XX.
Da leitura dos textos selecionados, facilmente se percebe as potencialidades da autora. Como historiadora e professora, evidenciam-se o rigor técnico quanto as fontes analisadas e o compromisso didático na transmissão do conhecimento. Enquanto ativista, uma importante voz a denunciar as mazelas que acometem a população negra brasileira, em especial as mulheres (p. 60, 235).
De partida, "Por uma história do homem negro" propõe uma mudança de perspectiva na forma como se estuda temas relacionados ao negro. Ao invés de um reexame sob o ponto de vista da ideologia dominante, há se considerar as próprias necessidades e aspirações do negro no levantamento histórico de sua vivência (p. 54).
Noutros textos, particularmente achei muito rica a abordagem feita por Beatriz sobre quilombos e o movimento de Antonio Conselheiro (passei a ler "Os sertões" em seguida, tamanho o entusiasmo!).
Partindo do modelo africano e da conjuntura escravista da época, a autora apresenta os quilombos como tentativas vitoriosas de reação ideológica, social e político-militar, em nada se relacionando com as perspectivas de mera fuga para o mato, de vida ociosa em contato com a natureza, de liberdade idealizada, de saudade da pátria antiga ou de qualquer outro apelo mistificante (fp. 130-131).
Os laços de solidariedade existentes nesses espaços também se verificariam no Arraial de Canudos, numa sociedade de constituição étnica majoritariamente mestiça, expressa nas populações migrantes do Nordeste prejudicadas pelo processo oficial de imigracionismo externo, pela concentração elitista de terras e pelos ideiais racistas difundidos à época (p. 208-209).
Baseada num sistema tradicional, Canudos fora um quilombo no passado e seu último foco de resistência foi uma colina que se chamava Favela, curiosamente o nome que veio a designar todas as áreas de assentamento social nos morros do Rio de Janeiro (p. 117), sugerindo uma linha de continuidade histórica entre esses sistemas sociais (p. 118).
"[...] o quilombo é o espaço que ocupamos. Quilombo somos nós. [...] Contra todas as forças conservadoras. Quilombo hoje é o momento de resgate histórico. Está presente em nós, entre nós, no mundo. Zambi-ê!" (p. 241)