Leila de Carvalho e Gonçalves 09/09/2020
A Construção Identitária
Após Laços e Assombrações, o italiano Domenico Starnone volta com mais uma novela, gênero escolhido pelo escritor na velhice, provavelmente preocupado em deixar inacabado um romance, projeto mais moroso. Seu título é Segredos e a temática é a mesma dos demais, isto é, a ambivalência das pessoas e por conseguinte, de seus relacionamentos entre a juventude e a velhice.
Por sinal, todas as três narrativas possuem protagonistas semelhantes, isto é, homens que não se encaixam as suas pretensões, demonstrando o quanto a construção identitária pode estar sujeita a abalos. Uma abordagem oportuna para uma história construída em Nápoles, aos pés do Vesúvio, conexão que desponta logo na primeira página, quando o professor Pietro Vella, epicentro dos conflitos, afirma que o amor ?é lava de vida bruta que queima a vida fina, uma erupção que anula a compreensão e a piedade, a razão e as razões, a geografia e a história, a saúde e a doença, a riqueza e a pobreza, a exceção e a regra?.
Resumidamente, Pietro é um professor assombrado por um segredo que, se vier a público, pode arruinar sua vida. Compartilhado com uma ex-aluna e amante, a Tereza Quadraro, pouco antes do término da relação que os unia, o temor que tal confidência lhe desperta, não se arrefece com o passar dos anos, ao contrário, recrudesce, pois ele tem cada vez mais a perder, conforme se casa, tem filhos e usufrui de uma carreira literária de relativo sucesso.
Segredos apresenta três relatos. O primeiro e mais longo, cerca de 75% do livro, é do protagonista, alguém que teve muito na vida e crê não ser merecedor. O segundo, mais enxuto, é de Emma Vella, a filha que o venera. Finalmente, o último, mais sintético que os demais, cabe a Teresa Quadraro, a intempestiva cientista que conseguiu superar o mestre e tem a brilhantismo que Pietro tanto gostaria de possuir.
Curiosamente, Segredos aborda diversos aspectos que também estão presentes na obra de Elena Ferrante, pseudônimo do escritor ou escritora cuja identidade é mantida em segredo. Em especial, essa semelhança transparece na comparação do livro com a Tetralogia Napolitana e um bom exemplo é justamente a questão da genialidade. Portanto, não é por acaso que Domenico Starnone já foi apontado como o principal suspeito de ser Ferrante, apesar de sempre negar tais conjecturas. Entretanto, desde 2016, quando o jornalista italiano Cláudio Gatti publicou um artigo polêmico em que afirma que na verdade ela é Anita Raja, tradutora e esposa de Starnone, o caso ganhou novos contornos, levando-o a perder o protagonismo das apostas.
Para encerrar, fico com o escritor e crítico literário Marco Belpoliti: ?A artimanha dos livros de Starnone é expor as histórias sem nunca terminá-las. Perto do final, quando a moral do livro tem que aparecer, ele desaparece: faz seus personagens fugirem para a saída de emergência, abre a porta, multiplicando as tramas e pontos de vista, de forma mínima, mas substancial. Nenhum de seus protagonistas pode se parecer com o escriba de Melville, Bartleby, nenhum pode pronunciar a famosa frase da subtração: Prefiro não. Eles não dizem não, porque nem mesmo disseram sim. Estão suspensos no limbo do luto por um pecado inexistente cometido, não uma falta terrível, mas uma pequena falta, porque são pequeno-burgueses. Em Segredos Starnone atinge o seu clímax: ele descreve algo que conhece muito bem, algo que se assemelha a todos nós, algo que não podemos rejeitar, mas nem abraçar totalmente. Um moralista, embora pela metade. E com isso ele acerta e nos descreve perfeitamente: somos todos traidores medíocres de nós mesmos?. (Doppiozero, 9/12/2019)
Nota: Comprei o e-book e recomendo