Evy 29/03/2022Um soco no estômago."
Os fracos do mundo não costumam bater, mas aprendem desde cedo a apanhar".
Porco de Raça é um soco no estômago, como bem descreveu a vida, Clarice Lispector. Traz uma crítica social intensa permeada de suspense e terror e um ritmo de narrativa alucinante que dá a sensação de estarmos assistindo aos episódios de uma série que nos empurra cada vez mais para um desfecho terrível.
Muito melhor que muitas séries, no entanto, a narrativa brutal e seca de Bruno Ribeiro nos entrega a história de um professor paraibano, negro, desempregado que carrega uma sucessão de infortúnios: um casamento que não deu certo, uma relação familiar desajustada e uma incessante busca por se encaixar num mundo estranho.
Sua família, negros que decidiram se encaixar no que se espera deles, é relativamente bem sucedida, incluindo seu irmão Bruno que entrou para a vida política e o socorre de vez em quando em suas enrascadas, nunca antes sem criticar sua forma de viver, tentando fazer com que se encaixe, aceitando a vida como ela é.
Num dado momento da narrativa é capturado e acorda em um quarto estranho onde toca uma música que o remete a seu passado. Logo em seguida é jogado num ringue, com uma máscara de porco cobrindo sua face e obrigado a lutar com um oponente que também veste uma máscara de animal. Totalmente despreparado para isso, leva uma surra e acorda no mesmo quarto esquisito.
Vamos entendendo aos poucos e junto com o protagonista, que agora faz parte de uma organização de lutas clandestinas com um processo cruel e intenso de desumanização para entreter homens ricos da sociedade que apostam seu dinheiro ilícito nos animais que vão ao ringue. Bruno Ribeiro é genial na forma como construiu esse romance, e suas descrições viscerais são tão vívidas e visuais que por vezes é difícil não retirar os olhos da linha e respirar antes de continuar.
Em suas linhas narrativas tem muito sangue, muita vida como ela é, muita crítica social mostrando um racismo estrutural que só permite ao negro duas saídas muito claras: se encaixar ou o espetáculo do horror, a desumanização e o descarte. Como bem diz a quarta capa, esse livro é o dedo na ferida numa narrativa transgressora.
Não há nada comum nessa leitura, o que me agradou profundamente e o trabalho editorial da Darkside tornou tudo ainda mais visceral e vívido, com encadernação em capa dura e ilustrações ricas em detalhes e horror.
Super recomendo a leitura!