leo 16/02/2023
De maneira geral, o livro é fruto de extenso material etnográfico com os Yanomami do Pya Ú, mais especificamente em Toototopi - TI (cortada pelo rio de mesmo nome). Metodologicamente, a autora se propôs a recolher mais de 100 sonhos em língua Yanomae, ultrapassando mais de 30 horas de gravação em períodos de trabalho de campo como parte de sua pesquisa.
Ao passear por esses aspectos "técnicos" é importante ressaltar sobre os percalços de uma pesquisa científica executada em TI, sobre a imprescindibilidade de uma metodologia serena, sobre a precisão analítica encontrada em vigor na antropologia brasileira, sobre o encontro etnográfico e de sua mágica (ver STOCKING, 1992). São também questões que surgem a partir de uma leitura que admirou-se pela forma como a autora escreveu aquele que vem a ser mais um trabalho disponibilizado em língua portuguesa sobre os Yanomamis. O livro com prefácio de Rrenato Stutzman, dividido em 5 capítulos e conclusão arrebatadora, busca contribuir com uma nova percepção seguindo o caminho dos sonhos, não podendo ser confundindo com uma empreitada psicanalítica, mas com fôlego e resultado de uma etapa primorosa do trabalho antropológico, enriquecido de suas nuances.
Mitos, cosmologias, rituais, são apenas alguns dos interstícios da vida dessas pessoas que a antropóloga-autora busca acessar, uma vez que os sonhos são levados a acionar protagonismo narrativo intermitente dentro da obra, percebemos mundos e céus xamânicos, que contados em primeira pessoa, servem de porta inicial para a alteridade Indígena. No mais, gostaria de ressaltar que para além que uma interpretação mitológica utilizando recurso levis-straussiano, vemos a incidência de sonhos que carregam agências, poder e uma outra cosmopolítica (ver Stengers, 2018). Pensar através da resistência Indígena e executar esforços a partir dela e com ela, é também sobre redimensionar lugares, repensar categorias e suspender a insistente dualidade de si na escrita do outro. Além do mais, se torna evidente o artifício em que a escrita sobre os Yanomami nesse caso é desdobrada, em um plano onírico que não se separa da política de morte em que os Povos Indígenas são submetidos nesse país, mas também de suas vidas, dia e noite. Vale muito a leitura (: