Dedé ! 24/03/2023
Último estágio do luto: aceitação
É difícil resenhar a caráter impessoal um livro que me magoou tanto.
Levo em consideração que a escrita é de período pandêmico e, pouco depois de anunciar seus livros mais recentes, a própria autora compartilhou sua exaustão e necessidade de férias. É compreensível que não estivesse em seu melhor estado e nenhuma crítica aqui estará além do puramente analítico, na obra isolada.
Então, a começar pelo técnico: o ritmo é lento e gostosinho, mas para ser bem executada, As Últimas Horas não poderia ter fechado em menos de quatro livros, que seria o mínimo para o devido desenvolvimento e conclusão de todos os personagens e conflitos. As pontas se perderam exatamente como eu temia quando terminei Corrente de Ferro.
Foi a série com maior variedade de personagens em termos de vivência, características pessoais e localidade, ou seja, são várias vidas paralelas e históricos individuais, diferente de Artifícios das Trevas, por exemplo, onde a maioria dos personagens são uma família dividindo uma história semelhante. A conexão com a família do Julian foi menos trabalhosa por ter sido feita dessa forma, porque boa parte dos eventos foram compartilhados, já As Últimas Horas fez uma mistura bem mais diversa, e isso simplesmente exige uma história mais extensa para que possa ser justa com todos. É o grupo de personagens com o maior potencial de carisma, mas também a maior negligência.
O salto temporal do epílogo passou por cima de tantas coisas importantes que a felicidade deles é nauseante de ler, nauseante e artificial e motivo para despencar a nota. Às vezes o final perfeito é o que termina ainda com imperfeições, e forçar um paraíso em meio a tanta angústia é como estancar uma hemorragia com band-aid.
As últimas cinquenta páginas são quase uma prova de resistência de tão irritantes e decepcionantes.
Desde o primeiro livro, já havia várias informações de prelúdio, que precisavam ser captadas ao longo da leitura, o que a princípio não incomodava, mas veio se tornando uma bola de neve e agora é crucial ser critério de nota.
Eu não me recordo de nenhum desfecho da Cassandra feito tão às pressas, comendo tantos pedaços da história, reduzindo conversas inteiras a resumos. Isso acontece demais nesse livro e irrita, soa até amador, como se a autora não conseguisse imaginar certas cenas na cabeça só porque são complexas, ou porque o livro ficaria grande demais. Reforçando outra vez a ideia, três livros foi pouco.
Nessa brincadeira, algumas criticidades sempre acabam se sobressaindo, por exemplo: alcoolismo demanda um tratamento constante e cuidadoso, é absurdo (e quase um desrespeito) que essa parte tão importante tenha sido deixada de lado. O luto por alguém amado é mais do que acender velas, mandar o caixão pra Idris e quase nunca mencionar essa perda de novo. Quando uma alma gentil mata alguém por ódio, é esperado que isso seja minimamente remoído.
E a parte mais pessoalmente dolorosa: o arco da Grace. No começo ela não tem nada, no final parece que está no começo. Ela é passada de mão em mão como um animal indesejado, incompreendida e toda a sua história é revoltante, deprimente, injusta, tão infértil que você se pergunta o porquê ela está na capa desse livro, e pode presumir que a Cassandra também a odeia.
Por aí vai, são várias personagens e situações sendo largadas ao relento, muito mais do que o que foi mencionado. Não há problema com a lentidão dos acontecimentos, apenas com o descaso pairando no meio deles.
E outra, por que usar tanto o pretérito mais-que-perfeito? Não sei dizer se a edição em inglês é assim ou se foi efeito da tradução, mas deixou o texto técnico demais.
Tirando todos esses pontos, não é diferente dos outros livros da Cassie, a essência é a mesma, realmente vale a pena se o leitor for apegado ao universo, só é bem capaz de sair considerando o pior trabalho dela.