Santiago 08/04/2024
Este é, certamente, um livro tão peculiar quanto a vida da protagonista, Sylvia Beach. Embora ela tenha sido uma surpresa positiva para mim, não posso dizer o mesmo sobre o livro.
Antes de mais nada, temos que esclarecer que esse livro é um romance biográfico que, e a própria autora admite no final, traz certos elementos fictícios, estrategicamente posicionados para fazer a história funcionar como ela planejou. Embora seja uma decisão interessante, escrever a história de alguém, enquanto se dando liberdade criativa, pode apresentar certos perigos, tanto para o desenvolvimento dos personagens quanto para o do enredo.
E é exatamente nisso que o livro peca já de começo. Temos personagens interessantes mas sem objetivo algum, o que, em troca, torna o enredo muito fraco e desinteressante. Durante mais da metade do livro exploramos apenas o grupo principal, com o livro não dando sinal algum de o que ele quer falar sobre e qual direção ele vai tomar para mover a história para frente.
Parte dessa sensação de vazio na história é passada pela estrutura dos capítulos e das partes do livro. Os capítulos pulam de um lado para o outro, de uma cena para a próxima, sem manter um tempo coerente e sem desenvolver muita coisa, principalmente no começo. Já as partes do livro, intituladas de "Parte Um" a "Parte Quatro", parecem divisões feitas para organizar o texto, mas que a própria autora esqueceu o intuito original e foi colocando fios de narrativa espalhados e que não apoiam a principal. Eu acredito que o livro teria ganhado muito mais coerência se a autora apenas tivesse mudado o título das partes para: "a livraria", "o livro", "o autor" e "a livreira".
Essa desorganização na narrativa me deixou questionando, durante toda minha leitura, o que é verdade e o que foi inventado. Ao escrever a biografia de outra pessoa, ainda mais uma que viveu há muito tempo atrás, é necessário assumir certas coisas para poder tornar os personagens reais e críveis, mas esse livro é carregado de passagens e acontecimentos que são extremamente específicos e não seria possível a autora saber deles. Isso, em si, não é um problema, mas deixa muito a desejar saber que, mesmo com pedaços inventados, a autora não conseguiu formar uma narrativa completa e interessante.
Dito tudo isso, o livro melhora consideravelmente a partir da metade da história. Não só ele melhora como se torna outro livro. Passamos de uma biografia para algo muito mais próximo do drama, até mesmo de um romance trágico, dando à Sylvia um objetivo claro e criando um antagonista para gerar atrito entre os dois. A última parte do livro é, de longe, a melhor.
Mas mesmo com essa melhora da narrativa, o livro não consegue aproveitar todo o contexto em que os personagens existem. Temos diversas temáticas fortes, como o feminismo, sexualidade e censura, que não são exploradas e servem apenas como pano de fundo para o romance de Sylvia e suas intrigas com Joyce. A autora poderia ter explorado muito mais a importância que a Shakespeare and Company realmente teve no mundo literário.
No fim, eu acredito que esse livro deixa muito a desejar. Ele tenta falar superficialmente sobre uma mulher com uma incrível história de vida e, por isso, não o recomendo. Se tiver interesse, acredito que a autobiografia de Sylvia Beach seja muito mais interessante do que esta leitura.