Pedro3906 03/12/2023
Como é que se transa com um papo tão ruim?
"Quarto Aberto" é uma daquelas experiências sugeridas quando se é consumidor ativo de literatura contemporânea ou de algum podcast entusiasta ? e justamente num desses, sabe-se lá quem divulgou o lançamento, que porventura observei num dia anterior. Tentando escapar da literatura visceral embarquei nele, imaginando a abordagem dos relacionamentos abertos, dos protagonistas em jogo de adoração e feridas e firulas e tudo que se há direito no mundo da ficção. Pois bem.
Se me perguntassem o enredo, ficaria logo desnorteado e ao mesmo tempo seco. São sucessivos acontecimentos e viagens e discussões e conversas e não sei bem quê. O narrador, Artur, sofre de problemas diagnosticáveis nos perdidos, desconhece algum destino, vaga na poça d'água dos dias, absorto do mundo, absorto das sensações ou da ocupação plena do corpo ? e quanto a isso dou-lhe colher de chá, também eu sofro vicioso de igual ciclo. Mas é por aí. Junte traumas, perdas e narrações supérfluas da vida com geolocalização no sul do país, piadas vez ou outra, a monotonia incessante e pimba, saiu o livro. Empolga tanto quanto parece.
São duzentas e quarenta e oito páginas em trinta e cinco capítulos, tamanho normal, tranquilo a uma leitura, que agarra e se arrasta por horas e horas com destaque ao início e desenvolvimento. Muitas vezes tive a impressão de que nada acontecia, porque de fato nada acontece. No máximo gente se comendo e isso não me assusta mais, nem desperta graça. Os parágrafos amontoam descrições vãs (por escolha artística será?), de linhas de ônibus, do clássico sol ofuscante com sua luz divina cegando e afins, de sensações explicadas. Eu me inclino a pensar que certas sensações, ainda que passíveis de tradução ao linguajar dos homens, permanecem dignas e íntimas no próprio mistério interior, quando a palavra deixa de ser o suficiente na transfiguração da vida. Aqui não sinto isso, sinto uma obrigação violenta de encher, de mastigar. Talvez eu esteja duramente enganado, talvez eu ignorei com a cabeça ruim que estou a grandíssima agressão por trás da cortina que a narração crua, da boca do protagonista cru ele em retrospecto, gera aos ânimos. Se assim for, que assim seja, joguei a toalha aos entendimentos da literatura.
Que vício é esse com rios?
Metade do ocorrido, se cortado, despertaria um alívio, uma alegria por parte do leitor, já que é trivial.
Vale a pena ler esta história? Vale a pena aguardar 70% do livro pra que um fisgar de esplendor acenda na cabeça, ou prometa explicações, ou então cultive êxtase nos leitores? Há maneiras delicadas e complexas de abordar esse tema, maneiras descontraídas e naturais que demais autores contemporâneos fizeram. Queria eu me esmagar nas entrelinhas e nas palavras do Tobias. Pra não dizer que tudo é ruim, a monotonia é tão agoniante que instiga o espírito parado para se libertar, para pensar. Se alguém mais jovem ou recém-nascido na temática ler e absorver pontos positivos, fico feliz. Eu não consegui absorver nada, quem sabe se por inocência, quem sabe se por estrangeirismo.
Ponderei durante toda a leitura em qual selo da Companhia das Letras "Quarto Aberto" deveria estar. O principal me ofende, o selo Seguinte é insuficiente e para outros meios. O livro é tão perdido que não cabe em lugar algum, alusão terrível aos relacionamentos nele retratados.
Eu dei uma olhada em Visão Noturna porque a escrita do autor me instigou (ouvi falar deste outro trabalho muito antes), e segue lógica parecida. Não sei se isso é bom ou ruim.
Estou com medo da futilidade.