Lurdes 24/12/2023
Quando li Annie Ernaux pela primeira vez (O Lugar) me impressionou a capacidade de contar grandes estórias, sendo absolutamente sucinta.
Esta característica se confirmou em outros livros que li posteriormente.
Agora, neste A outra filha, além desta peculiaridade, me dei conta de outra, que eu já havia percebido mas que não tinha analisado ainda.
Annie Ernaux se expõe como poucas autoras. Suas narrativas, autobiográficas, expõe o que de mais íntimo aconteceu em sua vida, mas o faz sempre com um pé na racionalidade.
Ela analisa seus sentimentos e os dos que a cercam como quem avalia sintomas de uma doença.
Suas conclusões sobre os fatos que compartilha conosco são quase que baseadas em análises científicas.
Acho isto incrível e, talvez, este seja seu segredo para se desnudar tão completamente, sem nunca parecer piegas ou apelativa.
Nos emocionamos com ela porque nos reconhecemos em seus motivos para sentir e fazer o que sente e faz.
Eu, pelo menos, me identifico demais com sua prosa. Sou muito racional mas, do nada, caio em lágrimas, embora meus sentimentos mais íntimos sejam preservados para meus monólogos interiores.
A diferença é que Annie coloca no papel estes monólogos, para nosso deleite.
Quando descobre que existiu uma irmã que morreu com 6 anos, antes dela nascer, ela já tinha 10 anos.
Esta descoberta, absolutamente perturbadora, nunca foi sequer comentada pelos seus pais, como se fosse um segredo inconfessável.
O livro que ela nos apresenta está em formato de carta dirigida a esta irmã, onde ela tenta entender o que aconteceu, como seria se a conhecesse, qual seu papel nesta família que já havia sido dilacerada por uma perda tão profunda.
Seria ela uma substituta, ou uma intrusa?
Teria sido capaz de amá-la? Sente tristeza ou alívio por ela ter morrido?
Se os sentimentos entre irmãs que convivem já rendem uma bela análise psicológica, imagina nesta situação.
Não vou falar mais para não dar spoiler.
Se recomendo?
Óbvio. É maravilhoso.