A outra filha

A outra filha Annie Ernaux




Resenhas - A outra filha


50 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3 | 4


Rafael Mussolini 13/05/2024

A outra filha
"A outra filha" da Annie Ernaux (Editora Fósforo, 2023) é uma verdadeira sessão de psicanálise, onde a autora explora o peso e o mistério da ausência de uma irmã que nunca conheceu. Annie descobre por acaso, ao ouvir uma conversa de sua mãe, que teve uma irmã morta pela difteria com apenas 6 anos de idade, falecida na quinta-feira Santa de 1938. Os anos seguintes da família serão de uma negação controlada, onde todos fingem não saber da história da menina morta. Com o decorrer dos anos, Annie vai entendendo que todo o silencio é apenas a forma que seus pais encontraram de lidar com a dor.

É tocante a forma como Annie Ernaux olha para seus pais na obra. Não existe julgamento pela lei do silêncio estabelecida, existe uma filha, a que viveu, tentando dar sentido à própria existência, que também passa pela existência de sua irmã e de seus pais. Ainda que o não dito tenha afetado profundamente a vida de Annie, em certo trecho da obra ela diz que não cabe a ela censurá-los, pois “os pais de uma criança morta não sabem o que a dor deles causa à criança que está viva”.

Com um texto sincero e visceral, ela fala sobre suas angústias e curiosidades em relação à irmã. Quando iniciamos o livro, imaginamos que o título “A outra filha” se trata da irmã morta, mas conforme a escritora devassa seus sentimentos, percebemos que a outra filha se trata da própria Annie, a irmã que veio depois.

"Mas você não é minha irmã, você nunca foi minha irmã. Nós não brincamos, não comemos, não dormimos juntas. Eu nunca encostei em você, nunca te abracei. Não sei a cor dos seus olhos. Nunca te vi. Você não tem corpo nem voz, é apenas uma imagem chapada em algumas fotos em preto e branco. Não tenho lembranças suas. Quando nasci, você já tinha morrido havia dois anos e meio. Você é a criança dos céus, a menininha invisível de quem nunca falaram, a ausente de todas as conversas. Você é o segredo."

Com os resquícios deixados por poucas fotografias antigas, relatos tímidos e breves de familiares e objetos que pertenceram à menina, Annie vai construindo uma imagem sobre quem foi sua irmã em sua rápida passagem pela vida. Inevitavelmente a escritora começa a estabelecer comparações que versam sobre sua personalidade e a da irmã, a relação de seus pais com as lembranças e até mesmo o desenhar de um cenário onde a menina estivesse viva.

Como o livro é estruturado como se fosse uma carta para a irmã, Annie aproveita para falar abertamente sobre tudo o que sente e dá notícias de como a vida de seus pais seguiu após a perda. Ela dialoga com a irmã ao mesmo tempo que dialoga consigo. O texto da autora parece um grito em resposta a um pacto de silêncio involuntário firmado com seus pais. Principalmente com sua mãe.

"Escrever para você é te falar dela o tempo todo, ela, a detentora da história, a que profere o julgamento, com quem o combate nunca cessou, exceto no fim, quando ela estava tão miserável, tão perdida em seu desatino, que, então, eu não queria que ela morresse."

Além de servir como uma forma de se entender, de comungar com os dilemas de sua família e internalizar a ausência da irmã, escrevendo uma carta, Annie Ernaux reflete sobre seu exercício de escrita e como o ato de escrever é a melhor representação de sua própria existência.

site: https://rafamussolini.blogspot.com/2024/01/a-outra-filha-da-annie-ernaux.html
comentários(0)comente



Sun 09/05/2024

Ótimo!
Comecei a ler os livros da autora por curiosidade, para conhecer esse projeto literário tão celebrado, que a fez receber um Oscar. Hoje conclui a minha terceira leitura e a vontade é só de seguir lendo...

Sempre com uma escrita muito pessoalizada e intensa, a autora faz e refaz os caminhos entre a experiência vivida e a experiência escrita.

Esse livro conversa muito com o "O lugar", tanto que é citado por ela.

Uma ótima leitura, recomendo muito explorar as escritas da autora.

"Sim, acho que não vim ao mundo a toa e havia em mim alguma coisa sem a qual o mundo não podia viver. Não escrevo porque você morreu. Você morreu para que eu escreva, eis aqui uma grande diferença" (p. 20).
comentários(0)comente



Marina 02/05/2024

É impressionante como a Annie Ernaux consegue mexer com a gente e nos perturbar com narrativas tão curtas, mas ao mesmo tempo tão potentes. Nesse livro, ela fala sobre o que foi descobrir, sem querer, aos dez anos de idade, que teve uma irmã que morreu antes de seu nascimento. O peso do segredo (que continuou não dito pelo resto da vida), a eterna comparação com a irmã morta, o ressentimento dos pais, a culpa pela própria sobrevivência. São muitas questões, é um tema pesado e que nos faz ficar refletindo por muito tempo.
comentários(0)comente



larastephanys 01/05/2024

Doloroso
A escrita pessoal, intima e carregada de emoções me impactou bastante! ler annie ernaux é sempre como um soco no estômago porque a forma crua de descrever momentos dolorosos é chocante, com ?a outra filha? não foi diferente, me marcou muito.
comentários(0)comente



Kalitasena 29/04/2024

O livro é curto, mas forte. Annie fala com os sentimentos mais sombrios que nós podemos sentir como seres humanos, de forma nua e crua. É honesto, intenso e corajoso. Toca no nosso mais profundo. Chega a causar uma certa estranheza com tanta transparência.
comentários(0)comente



Jubiii 29/04/2024

A descoberta do que já sabe
O não-dito, não saber que já sabe, a função do nome, a força das palavras, a presença do vazio,... eita tem muita coisa em pouquíssimas páginas.

ela percebe pelo seu próprio relato, que ela já sabia há muito tempo, só não sabia que sabia, que se protegia no silêncio.

li em algumas horas, não esperava tantas palavras profundas, sinceras e psicanalíticas hehe.

qual seu papel na sua família? seu espaço? há espaço? ou há colagem? substituição? amor? medo? luto? compensação?

o vazio ocupa um grande espaço.
comentários(0)comente



Bárbara Matsuda 09/04/2024

Ernaux descobre aos 10 anos que teve outra irmã, que faleceu de difteria aos 06 anos. ela nos passa a sensação de ter sido uma sombra da irmã: pois esta, morta e pura, atingiu um nível imaculado/inalcançável para a família e para autora, esta viva e errante. mais que isso, é a percepção de ter vindo ao mundo para substituir um outro.

ela escreve uma pseudocarta endereçada a irmã morta, como forma de reelaborar ambas existências, revisitando fotos e memórias incompreendidas.
comentários(0)comente



Tatiana Siqueira 07/04/2024

A outra sou eu
O não dito sobre a irmã faz a autora procurar as palavras que faltaram na história familiar. Adorei
comentários(0)comente



Dalila 28/03/2024

"Escrever para você é apenas trilhar o percurso da sua ausência."
Depois de ler "Uma paixão simples" eu já esperava um texto cruelmente honesto, mas fui pega desprevenida, mais de uma vez inclusive. Principalmente pq esse é basicamente um compilado de pensamentos cruéis, tristes e egoístas de uma pessoa que não é cruel, nem egoísta, e na maior parte do tempo também não é triste.
O texto é uma carta aberta pra irmã dela que faleceu antes que ela tivesse consciência de que essa irmã existia, e em grande parte esmiúça os reflexos que o fantasma dessa irmã deixou na vida dela, especialmente no que diz respeito ao amor materno. É ambíguo, forte, honesto e muito feminino. Não no sentido de despertar feminilidade, mas de tocar em pontos muito específicos de uma dinâmica que só consegue se estabelecer entre mãe e filha. Também senti uma leve culpa cristã. O que é incrivelmente acurado pq muito da culpa cristã de quem cresce em um lar católico é relacionado a obedecer e agradar aos pais (especialmente a mãe).
É um desabafo de como ela se sentiu traída por não ser o único alvo de amor materno e como ela se ressente de se sentir assim. Acho a Annie genial, ela é sucinta, direta e brutal em todos os texto o que torna cada livro dela uma experiencia única. Dos que eu li (que foram poucos) não foi o que eu mais gostei, mas com certeza recomendo!
comentários(0)comente



Thami 25/03/2024

Mais um texto profundo e honesto da Annie. Gosto muito como ela se debruça sobre uma memória tão rápida e que muda tanto sua perspectiva sobre sua família.
comentários(0)comente



Isabella2141 11/03/2024

Annie escreve de forma linda e viciante. A percepção da vida tão claramente atravessada pela psicanálise torna tudo mais interessante.
Esse foi o primeiro livro que li dela e terminei querendo muito mais.
comentários(0)comente



Thais.Barbosa 08/03/2024

Muito lindo! Essa carta ao mesmo tempo que é muito pessoal consegue englobar o sentimento do luto do não conhecido que todos (acredito) uma vez já sentimos. Consegui me ver em alguns parentes que estiveram lá mas para mim não existiram, ao mesmo tempo que foram muito importantes para meus pais.
comentários(0)comente



S.Paz 13/02/2024

Lutar contra a longa vida dos mortos
Saber por acaso ainda na infância que antes de você houve, para seus pais, uma primeira filha que faleceu antes de você nascer já é suficientemente doloroso. Já é sofrido antecipar catastroficamente aquela etapa da vida de perceber que antes de você os seus pais viveram uma vida em que você não tinha o menor dos significados, porque você não carregava um grão de existência... Já é triste por si. Mas ao descobrir que não só não era a única filha, Annie também ouviu a mãe dizer que a falecida, a primeira, era mais boazinha, era mais santa, era mais serena do que ela.

Essa conversa que não deveria ter sido escutada por Annie, desencadeou uma série de reflexões, culpas e dúvidas que assombraram toda a sua relação com os pais.

Depois de mortos, eles foram enterrados junto à primeira filha. Annie não queria ser enterrada junto a eles. Quando ela morrer, assumirá o que sempre assumiu em vida e não descansará junto aos pais e à irmã, porque Annie é a outra filha. Annie é a filha que custou a morte de outra.
comentários(0)comente



hhiinana 09/02/2024

O livro se trata de uma carta da autora destinada (talvez nem tanto) à sua irmã mais velha, falecida antes de seu nascimento, ainda criança.
percebemos o quanto Annie Ernaux se sente uma sombra, uma existência à partir da morte de sua irmã e o quanto isso a perseguiu justamente por seus pais nunca falarem sobre isso diretamente com ela, como um segredo muito delicado para ser abertamente falado.
mas há uma um trecho muito marcante até mesmo para os leitores descrito por ela:
[ No fim ela diz, referindo-se a você, "ela era mais boazinha do que aquela ali"
Aquela ali sou eu. ]
comentários(0)comente



Juliana 09/02/2024

Bom, a escrita da Annie Ernaux é algo né? Sempre lindamente escrito, profundo, honesto, humano. Esse livro me tocou muito por tratar de um tema tão delicado que é esse de familiares que acabam morrendo antes de termos a chance de poder conhecê-los, e falar da família a partir desse acontecimento é algo até bastante corajoso. Mais um livro incrível dela
comentários(0)comente



50 encontrados | exibindo 1 a 16
1 | 2 | 3 | 4


Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR