Sabrina - @linhaposlinha 21/04/2024
"Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça."
Existe uma enorme diferença entre ler um livro para uma prova quando se está no ensino médio e ler ele mais tarde (e consequentemente, mais velha) por livre e espontânea vontade.
Assim como a maioria, tive que ler Vidas Secas quando estava na escola. Não me apeguei em nada quando o fiz e claro, fiz a leitura já pensando nos aspectos que cairiam na prova e prestando atenção somente nos acontecimentos com uma visão objetiva. E só agora, 8 anos depois, pude finalmente sentir tudo o que os professores de literatura falavam que era pra sentir. Me emocionei em várias partes e me senti tocada pela delicadeza da escrita de Graciliano Ramos.
Fabiano e Baleia foram os personagens que mais me apeguei, o primeiro pela sua dificuldade em se expressar e o segundo pela inocência e lealdade. O modo como acompanhamos de perto a vivência dessa família em busca de um lugar e futuro melhores é tocante. E mesmo que não tenha aproveitado a leitura na primeira vez que a fiz, foi excelente ler agora percebendo os aspectos que tanto os professores nos chamavam a atenção: o papagaio que não fala (afinal, não tem como imitar sons vivendo rodeado por pessoas que não conversam entre si, ainda que sejam da mesma família), os meninos não terem nome, o fato de se tratar de uma história cíclica, etc.
"Comparando-se aos tipos da cidade, Fabiano reconhecia-se inferior. Por isso desconfiava que os outros mangavam dele. Fazia-se carrancudo e evitava conversas. (...) Sabia que a roupa nova cortada e cosida por sinha Terta, o colarinho, a gravata, as botinas e o chapéu o tornavam ridículo, mas não queria pensar nisso." (p.145)
"Muito bom uma criatura ser assim, ter recurso para se defender. Ele não tinha. Se tivesse, não viveria naquele estado." (p.181)
" - Você é um bicho, Fabiano.
Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. (...) Não, provavelmente não seria homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, governado pelos brancos, quase uma rês na fazenda alheia." (p.39-48)
Vidas Secas é uma história emocionante com linguagem simples e direta ao mesmo tempo que constrói uma narrativa delicada e tocante sobre a condição humana e as desigualdades sociais no sertão nordestino. Não a toa é um dos maiores clássicos do nosso país.
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