Flávia Menezes 12/03/2024
?SOSSEGA, ALICE. É O VENTO...?
?O Continente ? volume 2? completa e fecha o primeiro Tomo da trilogia de ?O Tempo e o Vento?, do escritor e tradutor gaúcho, Érico Veríssimo, um homem que possui ascendência portuguesa tanto da parte de pai como de mãe, e cujo avô paterno era o Dr. Franklin Veríssimo, um homem de Cruz Alta que possuía um Sobrado, que era chamado de ?a sede do clã dos Veríssimo?.
Neste volume, o médico e amigo da família Terra-Cambará, Carl Winter, será os nossos olhos em Santa Fé pela maior parte da história, que aborda um período que vai de 1850 a 1895, e onde o fio condutor desta obra o liga a primeira parte do primeiro volume de ?O Continente?, também intercalando os capítulos intitulados de ?O Sobrado? com os demais, onde o autor vai tecendo as histórias dos descendentes dos Terra-Cambará através dos três novos capítulos ?A Teiniaguá?, ?A Guerra? e ?Ismália Caré?.
?Por que não me vou daqui? Por quê? Não sei. Alguma coisa me prende a esta terra. Não é propriamente afeição, não é amor. É hábito, e o hábito é como uma esposa que cessamos de amar e que já aborrecemos, mas à qual estamos apegados pela força... do hábito, e por preguiça. A inércia, Carl, tem muita força. A rotina é uma balada insípida de rimas óbvias?.
Mas se o Dr. Winter se prende a esta terra pelo simples hábito, isso não é o que eu senti como leitora. Especialmente porque os laços que vão sendo criados entre leitor e personagens é tão intenso, que começamos a nos sentir parte da família Terra-Cambará. Afinal, ?se um Terra é teimoso, um Terra com sangue de Cambará é uma mula, e uma mula coiceira?, e é essa personalidade difícil deles, combinada a tantas boas virtudes, que indiscutivelmente vai nos conquistando.
E falando em Licurgo Cambará, enquanto nos capítulos ?O Sobrado V, VII e VII? continuamos acompanhando os dias de junho de 1895 quando o Sobrado é todo cercado, e Licurgo precisa lutar não somente para enfrentar seus inimigos, mas contra a precariedade de alimentos, em ?A Teiniaguá? somos apresentados a sua mãe, a misteriosa e geniosa Luiza, que se casou com Bolívar Cambará, o filho de Bibiana e do Capitão Rodrigo Cambará.
Luiza muito me lembrou da personagem Cathy/Kate de ?A Leste do Éden?, de John Steinbeck, que assim como ela é essa figura atormentada por um passado obscuro que a faz ser essa mulher-feiticeira, que ao mesmo tempo que atrai e seduz, provoca medo.
O que particularmente é exatamente o que ela consegue fazer com Bolívar, que assim como seu pai, o Capitão Rodrigo Cambará, era um homem tão valente quanto era cheio dessa paixão que lhe corria pelas veias. Muito embora esse amor que o fez escolher Luzia, ande muito mais no caminho para o adoecer do que o satisfazer.
Mas é exatamente através dessa maga sedutora comparada a lendária figura da Teiniaguá, que conheceremos a origem do Sobrado, e qual a sua ligação com a família Terra-Cambará, que faz com que Bibiana fique tão obcecada por casar o filho para o quanto antes tomar posse do local.
Deixando os bons tempos de mocinha para dar contorno às implacáveis linhas da idade que chega, e se tornar a matriarca da família, a fala dura e bastante ácida de Bibiana é que acaba por abrandar um pouco essa personalidade intempestiva de Luzia.
Como cenário temos a Guerra do Paraguai (muito embora esta não seja a única guerra que será narrada), e é entre os pequenos e os grandes conflitos que Licurgo vai se tornando adulto, assumindo um importante papel de líder político de Santa Fé, motivado pelos ideais republicanos que guiam o Brasil desde 1889, não deixando de lado essa antiga faísca da rivalidade com a família Amaral, que aqui se engaja nas forças federalistas que opõem os chimangos dos maragatos.
Recheada por amores platônicos, guerras e conflitos, desavenças, e paixões ardentes proibidas, os momentos finais deste volume são tão intrigantes, que me fizeram questionar: mas qual será o destino dessa família?
Mas, como diz o próprio Érico nesta história: ?Não adianta a gente se preocupar. O que tem de ser traz força? (aliás, que frase cheia de poder essa!).
Terminar o tomo de ?O Continente? me faz perceber o poder de uma narrativa que vai além de apresentar fatos históricos tão importantes do sul do nosso país, e de nomes reais de homens e heróis que fizeram parte de momentos marcantes que estão escritos nos nossos livros de História, para ser este romance que, com seus monólogos interiores entrelaçados às cenas de ação e aos ricos diálogos desses personagens icônicos, se torna uma verdadeira aula de escrita!
Entre frases e parágrafos, é neste ínterim que o tempo e o vento vão se encontrando, se misturando, se enamorando e nos envolvendo de um jeito, que vai inflamando essa necessidade avassaladora que já não podemos mais ignorar, e que só será acalmada no instante exato em que o próximo tomo for iniciado.
Então? a mim? só me resta dizer: e que venha ?O Retrato?!