Mateus 28/07/2020
Joe Hill e suas histórias fantásticas
Encarar um livro de contos é sempre um desafio. Para muitos leitores, é difícil acompanhar histórias curtas que, geralmente, não seguem a tradicional estrutura início-meio-fim. Mesmo que a pessoa não se importe com esse fato, a experiência com a obra pode ser comprometida em poucos minutos, bastando apenas um conto ruim para isso. No meu caso, não tenho nenhum tipo de preconceito contra esse tipo de livro, mas a segunda situação é mais comum do que eu gostaria.
Joe Hill iniciou sua carreira literária em 2005 com uma coletânea de contos maravilhosa, “Fantasmas do Século XX”, cujas histórias recordo com carinho até hoje e considero como seus melhores trabalhos. Por outro lado, o autor entregou em “Tempo Estranho”, lançado em 2017, quatro contos que vão do mediano ao regular e, fácil fácil, é sua pior obra. Por fim, seu terceiro livro de contos, “Carrossel Sombrio e Outras Histórias”, conta com momentos memoráveis e, no geral, tem um saldo positivo, mas também não figura entre as melhores obras de autor.
As primeiras histórias de “Carrossel Sombrio” não me impressionaram muito, até que Joe Hill apresentou o conto “Devoluções Atrasadas”, que achei sensacional. Nele, conhecemos um jovem que acabou de perder os pais e começa a trabalhar como motorista de uma biblioteca móvel. Além de leitores tradicionais, o jovem percebe que há outro tipo de leitores atrás de livros emprestados: aqueles mortos há muito tempo, que voltam atrás de uma boa história. Extremamente original e fascinante, né?
Também achei ótimo o conto “Tudo que me importo é você”, sobre uma garota aniversariante que parte em uma aventura ao lado de um robô para ver o pôr-do-sol, em um mundo futurista nebuloso. “Fauno”, que traz a história de um grupo de caçadores que passam por uma porta mágica para caçar animais fantásticos, e “Às margens prateadas do lago Champlain”, sobre duas crianças que encontram um monstro morto em um lago, também valem muito a pena.
Como nada é perfeito, e a música de todo carrossel pode sair desafinada às vezes, “Carrossel Sombrio” também tem seus tropeços. “Impressão digital”, para mim, foi pavoroso – a história de uma ex-combatente que retorna aos EUA após a guerra para voltar à normalidade e… bem, é isso mesmo, não há muito mais no conto e o final é extremamente forçado. “O diabo na escadaria” até chama a atenção pelos parágrafos em forma de escada, mas peca pela falta de desenvolvimento. O mesmo com “Twittando no Circo dos Horrores”, um conto feito todo por meio de twittes, em que uma menina visita um circo macabro em uma viagem com os pais. A ideia é boa, mas muito curta e nada aprofundada.
Confesso que esses três contos deram uma estremecida em minha viagem pelo carrossel, mas de forma alguma estragaram a leitura. Tenho o prazer de ir atrás de todos os lançamentos de Joe Hill e, apesar de não reunir suas melhores histórias, “Carrossel Sombrio” vale a pena. O autor é excepcional na arte de contar histórias e desperta meu interesse sobretudo pelas ideias extremamente originais (algo que ele aprendeu com o pai, sem dúvida). Para quem gosta de fantasia-suspense-terror e está sempre em busca de algo novo, ler Joe Hill é uma sensação constante de “Como nunca pensei nisso antes” e “De onde esse cara tira tantas ideias incríveis”.