Luciano Luíz 12/07/2020
Na década de 1990 as publicações de quadrinhos mais comuns de encontrar nas bancas era Marvel, DC, Turma da Mônica e Disney. Havia outras de editoras desconhecidas tanto de material brasileiro quanto estrangeiro. Porém, eram estas as mais fáceis de encontrar aonde quer que você fosse.
Lá por 1996 ou 97, a editora Globo lançou uma revista sobre quadrinhos. Wizard. Era nada mais nada menos que a versão traduzida da original estadunidense. Então praticamente tudo ali, era voltado para Marvel e DC, apesar de que a Globo só colocou algo da Marvel na capa no número 4, pois queria promover a vendagem dos títulos da Image.
Mas o que isso tem a ver com AKIRA? Nada. Ou quase nada. Foi nas páginas da Wizard que vi algumas poucas informações sobre um dos raros mangás publicados no Brasil nos anos 90. O que eu sabia era: formato americano. Edições fininhas e páginas coloridas e que a publicação estava suspensa no ocidente por motivos meio que desconhecidos, mas algo apontava que o autor, KATSUHIRO OTOMO queria produzir um final diferente para o pessoal do lado de cá o mundo. Após alguns anos de hiato, as últimas edições foram publicadas e o final era exatamente o mesmo. Portanto, era isso que eu tinha conhecimento de Akira.
Os anos 90 apesar de terem sido pobres com relação aos quadrinhos japoneses no Brasil, teve um ponto positivo que foi a transmissão de animês. O canal Manchete batia recordes de títulos e provavelmente o mais famoso era Cavaleiros do Zodíaco. SBT e Band também passaram a ter interesse e a Globo mais tímida tentava engatinhar. Só que mesmo a Manchete estando entupida de séries (a minha favorita era Sailor Moon), foi a Band que numa noite de sábado (se bem me lembro) passou um longa-metragem intitulado Akira. Não consigo lembrar se vi a animação antes ou aquelas poucas informações nas páginas da Wizard.
Aliás, havia um monte de revistas sobre animação japonesa, mas não tenho na memória qualquer uma que tivesse trazido Akira na capa.
Bem, na Band assisti e achei interessante a história de ficção científica que trazia um montante de perguntas e não revelava respostas. Por que se chamava Akira? Falava-se dele, mas não aparecia. Tinha um adolescente que adquirira poderes paranormais impressionantes capaz de destruir o mundo. Outras crianças com rosto envelhecido tinham poderes semelhantes. Um jovem de moto vermelha chefe duma gangue em Neo Tokyo em 2020, palco das Olimpíadas (que por ventura iam mesmo ocorrer no mundo real, mas fora cancelada por causa da pandemia) e era isso. Gostei, mas era um tanto incompreensível.
O tempo passou e teve uma reprise. Reassisti, mas na minha mente continuava tudo a mesmíssima coisa. Em 2015 senti necessidade de dar mais uma olhada e quem sabe dessa vez o cérebro finalmente ia captar o essencial da trama. Nada de novo.
A qualidade da animação é absurda. Um trabalho espetacular. Só que isso não poderia ser o que de fato transformara Akira num fenômeno da cultura pop.
Em 2017 a editora JBC trouxe para o Brasil o primeiro volume. Depois a cada ano mais dois e então concluiu no sexto.
Akira tem formato grande. Maior que o padrão americano. As primeiras páginas são coloridas. Vem com sobrecapa e guarda em cores. A guarda é a primeira página e a capa dois e a última página e a capa três. Ali vemos quadrinhos aleatórios que na história estão em preto e branco e tons de cinza. Tanto na primeira quanto na segunda guarda é o mesmo apresentado.
O primeiro volume saiu em 1982, o segundo em 1983, o terceiro em 84 e o quarto em 85. O quinto devia ter saído em 86, mas devido a problemas de produção, ocorreu um atraso e foi divulgado que sairia em 1988... porém, somente em 1990 a edição cinco apareceu e o volume seis em 1993.
O longa-metragem cyberpunk foi lançado em 1988 e pode ser que tenha sido por causa dele o atraso dos mangás. Vale lembrar que o próprio Katsuhiro Otomo foi o diretor da produção. Há diversas mudanças entre o mangá e o animê. Porém, dá a impressão de que o animê é mais uma espécie de chamariz para o quadrinho. Afinal, nos anos 80 as animações japonesas tinham um alcance maior que os mangás. Nos Estados Unidos o sucesso de Akira (não no cinema, apesar de ter passado em algumas salas, mas nas locadoras de fitas VHS) fez com que editoras se interessassem em publicar mangás, e claro que a obra original de Otomo também.
Porém, ao invés de sair em volumes encadernados, o mercado ocidental teve a versão espelhada das páginas, a troca de onomatopeias, e claro, colorido. Isso tudo foi aprovado por Otomo, pois era uma forma de aumentar a legião de fãs e posteriormente Akira seria lançado no formato original. Curiosamente Akira é um dos raros mangás que só podem ser publicados no formato original, pois o autor só topa a publicação dessa maneira, caso contrário nada feito.
Mas enfim, do que se trata Akira? Por que se tornou um ícone da indústria tanto da animação quando dos quadrinhos?
Sobre a animação é fácil compreender. O trabalho técnico é absurdamente fantástico. Obra de arte em diversos sentidos. Mas com relação ao enredo, é mais complicado.
O volume 1 do mangá não te dá qualquer resposta. Apenas somos apresentados a vários personagens em Neo Tokyo em 2020. Gangues de adolescentes com motos. E que décadas antes houve um incidente, uma explosão jamais explicada publicamente que devastou grande parte da cidade. E esta continua ali em escombros onde militares trabalham no projeto Akira. Crianças com rostos de idosos, com poderes paranormais como levitar ou teletransporte, conversas em pensamento.
Muito especula-se sobre o ocorrido com Akira e é apenas isso. De resto temos o cotidiano dos jovens e problemas com militares já que as crianças acabam tendo contato com civis.
No volume 2 as coisas começam a fazer sentido. Akira seja lá o quê ou quem for, não deve despertar, pois isso pode gerar o fim da humanidade. Então mais problemas com milicos e um dos adolescentes que andava com a gangue acaba sendo sondado pelos militares, pois aparentemente ele é como as crianças com estranhos poderes.
Na edição 3 há uma das melhores cenas de ação, pois é frenética tendo uma verdadeira guerra entre ruas estreitas com tanques e todo armamento disponível.
O volume 4 dá uma reviravolta e Neo Tokyo mais uma vez sofre um abalo de proporções semelhantes àquele do projeto Akira. Agora além da revelação do que de fato é Akira, há um novo rosto que decide por andar com as próprias pernas. A história aqui dá um salto na questão de qualidade em diversos aspectos.
A edição 5 é meio sonsa, pois a trama não anda e fica tudo repetitivo demais. Só muito depois da metade é que dá uma melhorada.
O volume 6 é praticamente a batalha conclusiva.
Não quis mergulhar demais nos detalhes da história porque estraga as surpresas. O mangá tem um visual rico. Extremamente detalhado, mais precisamente em relação aos cenários, pois os personagens nada trazem de incrível ou diferente. As cenas de ação são espetaculosas e deixa qualquer super produção do cinema no chinelo com relação as sequências e fotografia (ângulos de câmera). São mídias diferentes, claro, mas se percebe que Akira funciona como um filme do mais alto nível. É verdade que isso é comum em muitos mangás, mas em Akira esse nível é ainda mais belo.
A história de uma forma geral tem mais altos que baixos. Mas sendo sincero, não é algo que possa ser considerado como imperdível. É uma ficção científica foda, mas há momentos em que se torna descartável.
Os personagens são esteticamente bem parecidos. Há alguns que se destacam tanto em rosto como corpo. Mas em geral não é algo que se considere imperdível.
Há diversas falhas em máquinas e equipamentos. Que devido talvez a pressa de produção num quadro aparece dum jeito e no quadro seguinte tem detalhes diferentes e então é impossível saber qual é o correto. São coisas aparentemente bobas, mas em se tratando de Akira com todo assombroso nível de detalhes urbano, realmente muitos pontos acabam por ter essas falhas. Uma das mais comuns são o número de janelas em helicópteros...
A edição brasileira segue o novo padrão. Ou seja, em qualquer país, Akira vai ter sempre o mesmo formato, tipo de papel e número de páginas. Ah, falando em páginas, anteriormente mencionei que as primeiras são coloridas. É uma colorização muito bonita porém, a partir do volume 2 há aquele resumo do que acontece no volume anterior. E estas páginas consomem papel couchê e são coloridas. A meu ver, é um verdadeiro desperdício de material. Poderia ser em preto e branco e o mesmo papel pólen do miolo.
Enfim, Akira é um clássico. Entra fácil no top 10 de quase todos os leitores do mundo. Tanto em mangá quanto em qualquer outro segmento de quadrinhos, seja americano ou europeu.
E falando nisso, após ler o mangá, o que se pode analisar sobre o longa-metragem? Além de ser uma espécie de propaganda do mangá? Há diferenças em tudo, e o principal, Akira não é revelado como no mangá. Mas chamar Akira de principal é algo um tanto errôneo, pois é outro personagem que se torna o centro da toda a trama. E isso também no mangá.
É leitura obrigatória, ainda mais agora que temos a história inteira disponível em seu formato original.
Ah, outra coisa: após ler nesse formato grande, ir para mangás em formato menor dá uma agonia. Seria muito interessante se mais títulos fossem lançados com esse tamanho que valoriza muito mais os detalhes visuais, além de um texto maior, afinal, é comum mangás terem caixas de diálogo (balões) com textos longos ou mesmo notas espalhadas pelos cantos de um jeito muito pequenino ou desajustado.
L. L. Santos
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