Luísa 29/01/2021Extremamente decepcionanteDepois de ver esse livro sendo completamente aclamado principalmente no booktwitter e de ter lido inúmeras resenhas positivas de produtores de conteúdo que eu acompanho, não posso negar que estava com expectativas bem altas. Porém, infelizmente, saí extremamente decepcionada, então senta que lá vem textão.
Para a resenha não ficar apenas negativa, vou pontuar primeiro as qualidades do livro, afinal dei 1,5 estrelas pra ele, não 0,5, então qualidades ele tem. Gostei da abordagem da epidemia da aids como uma questão política, gostei das críticas feitas ao governo estadunidense da época e principalmente à indústria farmacêutica, que elevava o preço dos medicamentos de combate à aids, tornando-os ainda mais inacessíveis. Também gostei de o protagonista ser iraniano e de algumas inserções culturais que o autor fez em relação a isso, apesar de achar que a questão cultural poderia ter sido mais bem explorada.
Agora os problemas. Vou começar fazendo considerações sobre os personagens, para depois falar da trama em si. Começando pela Judy, ela para mim é um exemplo evidente de como homens, na maioria das vezes, não sabem escrever personagens femininas. O fato de o autor ter escrito justamente uma menina gorda, que já não tinha amigos e já pensava que nunca poderia ser amada, para ser usada pelo protagonista que está tentando fingir não ser gay me incomodou demais, apenas reforçou a ideia de que ela de fato nunca poderia ser verdadeiramente amada.
A Judy também me pareceu ser a personagem que o autor usou para colocar várias opiniões pessoais suas que ele sabe que são inadequadas. Por exemplo, ela acha que homens gays são os seres mais legais do universo e detesta todas as outras pessoas da escola, independentemente do gênero. Ela também tem várias falas e ações no livro que me deram extrema vergonha alheia. Exemplo: depois que o irmão do Reza sugere que o Reza é gay, ela coloca a mão no pênis dele enquanto eles estão se beijando para ver se ele estava excitado. Exemplo 2: ela diz que queria que seus filhos fossem gays e que todos homens fossem como homens gays mas gostando de mulheres, porque, de novo, homens gays são os melhores seres do planeta.
Considerando que a Judy é heterossexual, foi no mínimo esquisito ler essas falas vindas dela, me remeteu a mulheres heterossexuais que dizem que queriam ser lésbicas porque gostar de homem é muito complicado ou que adorariam ter um melhor amigo gay.
Passando para o Art, ele foi um personagem que eu detestei desde o primeiro capítulo. Ele é extremamente arrogante e prepotente, se achando superior a tudo e todos porque é irreverente, "bem resolvido" com sua sexualidade etc. A forma como ele se relaciona com o Reza me desagradou de diversas formas, ele pressiona demais o Reza em vários momentos do livro, pressão para se aceitar mais rápido, para transar logo, para perder o medo da aids depressa... fiquei extremamente incomodada com isso.
Sobre a pressão para transar especificamente, isso é recorrente no livro e a cena em específico em que, depois de o Reza já ter falado que não queria transar, ele tira a roupa e fica só de cueca em cima do Reza foi mais um momento que classifiquei como invasivo e desrespeitoso.
O Art também foi muito grosseiro com o Reza quando ele disse que não gosta da palavra "bicha" ("faggot" no original em inglês). Ele simplesmente falou que o Reza devia superar esse incômodo com a palavra logo... É como eu dizer que prefiro ser chamada de lésbica em vez de sapatão e a pessoa dizer que eu tenho que simplesmente superar isso. Não, eu não tenho, as pessoas que têm que me respeitar.
Em resumo, o Art é um personagem que acha que tem autorização para fazer tudo o que bem entender porque ele mesmo é gay, bem numa perspectiva de que ele tem """lugar de fala""" então pode se comportar como quiser, mesmo que isso machuque outras pessoas, pessoas que inclusive ele supostamente ama.
Outra questão que me incomodou foi a precariedade das personagens femininas secundárias, enquanto aos personagens masculinos é dada a redenção. A mãe do Reza é a conservadora que finge que os problemas não existem para não ter que lidar com eles, a mãe do Art é a mulher submissa que não consegue enfrentar o marido, e a mãe da Judy é a mulher fútil que só lê livro de autoajuda.
Enquanto isso, o Abbas, padrasto do Reza, tem uma redenção absoluta no final do livro por demonstrar aceitação em relação à sexualidade do Reza sendo que em nenhum momento da história temos qualquer indicação disso. O irmão do Reza, que humilhava tanto o Art quanto à Judy na escola, é redimido pela própria Judy, que acaba se envolvendo com ele numa festa. O Stephen, tio da Judy, é o homem perfeito, sensível, bom conselheiro e divertido.
O desenvolvimento da narrativa em si também achei muito fraco, com um desfecho apressado e superficial. A mudança de cidade do Art me pareceu uma decisão muito rápida, sem grandes ponderações, foi muito depressa que ele resolveu abandonar o Reza, para onde foi o fogo da paixão de antes? Também achei o último capítulo, quando há um salto para o futuro, desnecessário e raso, não vi necessidade de ele existir além de para "resolver" o problema criado de a Judy e o Reza terem ficado sozinhos. No futuro vemos que ambos casaram e estão felizes (para sempre).
A última questão de conteúdo que não gostei foi um falocentrismo excessivo. É dada uma importância absurda ao pênis, o que me incomodou demais, bem como o momento em que o Art comenta que tem vontade de transar com qualquer pessoa que tenha o cromossomo Y. Para um livro supostamente para celebrar a "comunidade" LGBTQIA+, achei uma falha que não poderia ter acontecido, já que é um completo desprezo ao T da sigla.
Em relação à escrita em si, achei que a indicação da passagem do tempo muitas vezes não foi bem feita, já tinha lido várias páginas de um capítulo até entender que aquilo estava acontecendo semanas depois do que veio no capítulo anterior e não no dia seguinte. Achei um problema ainda maior quando o capítulo seguinte à morte do Stephen foi uma cena de sexo entre o Art e o Reza, me pareceu extremamente desrespeitoso.
O livro também contém inúmeras referências, principalmente a músicas da Madonna, mas também a trechos de filmes e aí faço uma crítica à tradução por não ter traduzido todos esses trechos. O sentido das cenas se perde sem a compreensão do que é citado, então acredito que a tradução deveria vir em todos, ainda que em notas de rodapé.
Por fim, há uma nota do autor no final do livro em que, entre outras coisas, ele faz um agradecimento ao seu primeiro namorado, que o forçou a se assumir para família, ameaçando terminar o relacionamento. Quando li isso, todo o livro fez sentido para mim, porque percebi que o autor se colocou muito no Reza e colocou esse ex-namorado no Art, porém, até os dias de hoje, ele não compreende a situação que viveu como negativa, na verdade ele é grato por ela, por isso escreveu o Art da forma como escreveu, como se suas atitudes em relação ao Reza fossem boas.
Em síntese, fiquei bem triste com esse livro e principalmente com o fato de ele ser tão bem falado. Me preocupa tantas pessoas acreditarem que o relacionamento entre o Reza e o Art é bom ou que a Judy é uma boa representação feminina, por exemplo. Espero que com o tempo mais pessoas comecem a se atentar a essas questões.