Renegados 30/08/2013
ESTANTE RENEGADA | A REVOLTA DE ATLAS
Muitas pessoas conhecem a ligação de BioShock, shooter aclamado por sua ambientação vintage e enredo envolvente e perturbador, e aquela que é considerada a magnum opus da filósofa, pensadora e escritora Ayn Rand. Mas nem todos vão além de conhecer a ligação, até a origem das coisas, e tomam em suas mãos os três volumes de A Revolta de Atlas, lançado originalmente no Brasil na década de 80 como Quem é John Galt?
Mesmo porque A Revolta de Atlas não é uma obra de fácil leitura. Seu ritmo não é frenético e alguém que não goste de filosofia e política não se sente exatamente confortável com qualquer um dos tomos em mãos. Eu mesmo, que gosto dos temas, voltava alguns capítulos para reler e me situar novamente ou entender algumas passagens. Os diálogos algumas vezes podem ser extensos e acabam torcendo-se uns sobre os outros com tantas linhas, mas nada que tire o brilho e a força deles.
Ayn Rand defende, através de sua ficção e de seus personagens uma linha de pensamento única, o objetivismo. Nesta filosofia, Ayn argumenta que o objetivo moral de todo humano é alcançar sua própria felicidade e interesse racional independente dos outros à sua volta e, por consequência, o único sistema social que suporte essas diretrizes morais é aquele que respeite os direitos dos seres humanos à liberdade, vida, propriedade e busca da felicidade. Em outras palavras, o capitalismo laissez-faire.
O cenário de A Revolta de Atlas é uma América do Norte decadente, último bastião do capitalismo num mundo dominado por repúblicas populares, pobreza e mercados negros. Em um escopo maior, pode-se até mesmo dizer que o cenário é o planeta como um todo. Lentamente, de um modo inexplicável, as mentes criativas estão sumindo dos Estados Unidos e de outras partes do globo, fazendo com que as
nações regridam gradativamente. Washington se torna um ninho de víboras corruptas, que alcançam seus cargos por meio de favores escusos e dinheiro sujo, onde valores são invertidos e a desonestidade velada passa a ser o arauto da justiça.
É interessante ver como Ayn consegue ser atemporal em sua obra. O que se passa em Atlas, a inversão de valores sociais, onde homens desprovidos de talento, que vivem suas vidas apenas em prol do mal tomam para si a fortuna dos honestos, o suor do povo e o sangue daqueles que trabalham, criam e se desdobram para levar um país em frente; é algo que poderia acontecer daqui a algumas décadas, ou anos, dias. Pode estar acontecendo agora. É tudo atual e remoto, em um mesmo momento.
E a escrita da autora, meio vaga, meio destacada e arrojada, serve para moldar um mundo permeado de suspense e apreensão, no qual é difícil dizer o que virá a cada página virada.
Para levar todo esse turbilhão de ideias, de emoções, disputas e intrigas, Rand nos dá personagens apaixonantes, cada um à sua maneira. Dagny Taggart, única mulher no colossal conglomerado ferroviário da Taggart Transcontinental, mulher de fibra, determinada e desinibida, que tenta a todo custo salvar a empresa de sua família das mãos do irmão James e da escassez de trabalhadores competentes; Henry Rearden, industrial que cresceu do nada que se vê destituído até mesmo de sua propriedade intelectual e que, a duras penas, aprende a lutar contra o sistema falho da sociedade; e Francisco D’Anconia, amigo de infância de Dagny e playboy por excelência e berço, que leva displicentemente uma vida de luxo e indulgências.
Mas, depois de tantas informações, você deve estar se perguntando, afinal, qual a relação de tudo isso com BioShock? Simples. Boa parte da trama de BioShock reflete as ideias de alguns personagens de Atlas, especialmente toda a utopia pregada pelo povo de Rapture antes de sua queda. A própria queda da cidade subaquática é uma alusão à decadência do mundo que Rand constrói em seu livro.
Obra contemporânea, que mostra outra faceta do capitalismo, revestido de um modo que, provavelmente, ninguém analisa, menos monstruoso e mais racional. Mostra a busca de cada um por seu lugar ao sol, soltando-se das correntes de obrigações sociais inúteis. Um livro de temas que nos rodeiam à todo momento, como governos que agem nas sombras, puxando cordas de marionetes, e a população que se submete sem contestar à essa situação e Ayn Rand, em sua maestria, consegue nos levar às mais diversas reflexões enquanto somos guiados em seus parágrafos.
Nas conversas de Eddie Willers com um operário da Taggart, na força exuberante e inacreditável do frágil corpo de Dagny, nos olhos azuis de aço e nos altos e baixos, na redenção de Hank Rearden, A Revolta de Atlas é um livro denso, que requer dedicação, muitas garrafas de café e silêncio, exterior e interior, para ser apreciado. Mas é uma história que pode-se levar para o resto da vida, que certamente deixará sua marca em brasa em quem a ler.
PAULO SUCHOJ
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